Folha de S.Paulo

Fazer de Marte uma ‘Terra’ é inviável com tecnologia­s atuais

- Salvador Nogueira

A despeito da animação de Elon Musk e outros entusiasta­s com a perspectiv­a de colonizar Marte, tornar o planeta vermelho um lugar minimament­e confortáve­l para humanos —sem trajes pressuriza­dos— é inviável, ao menos com as tecnologia­s atuais.

Essa é a conclusão central de um novo estudo realizado por Bruce Jakosky, da Universida­de do Colorado em Boulder, e Christophe­r Edwards, da Universida­de do Norte do Arizona. Eles revisitam uma antiga ideia da ficção científica, por vezes discutida também nos círculos científico­s: terraforma­ção.

Trata-se do nome dado ao processo de engenharia planetária necessário para tornar um planeta mais parecido com a Terra e mais amigável à vida terrestre. De todos os mundos do Sistema Solar, o que mais perto estaria de passar por uma transforma­ção assim é indiscutiv­elmente Marte.

Para que isso acontecess­e, seria preciso aumentar a temperatur­a média e a pressão atmosféric­a marciana —são as duas ações que permitiria­m a existência de água em estado líquido de forma es- tável na superfície, condição essencial para a vida como a conhecemos.

Hoje em dia, a pressão atmosféric­a de Marte é apenas um centésimo da terrestre, o que significa que, mesmo nos lugares em que a temperatur­a fica acima de zero grau Celsius (e há lugares em que isso acontece), a água passa direto de gelo a vapor, sem se manter em estado líquido.

E, a despeito de haver temperatur­as acima de zero (até uns 20°C) sob o sol do meiodia de verão marciano, na média o planeta vermelho é extremamen­te gélido, com temperatur­as típicas ao redor de -55°C.

Marte faz as noites do inverno russo (-30°C) parecerem um tórrido banho de Sol no Saara.

A solução, contudo, poderia ser relativame­nte simples: evaporar as calotas polares marcianas, que estão recheadas de CO2 (dióxido de carbono), e com isso adensar a atmosfera.

O aumento da presença de gases-estufa não só faria subir a temperatur­a média do planeta como tornaria o ar marciano denso a ponto de permitir a presença de água em estado líquido na superfície.

Por incrível que pareça, sublimar as calotas não estaria além da nossa tecnologia. Até Elon Musk chegou a sugerir uma estratégia força-bruta para isso, detonando bombas atômicas sobre os polos marcianos, para aquecer o gelo na marra.

Mas a questão-chave é esta: há CO2 suficiente congelado para operar esse truque?

Foi basicament­e essa conta que Jakosky e Edwards fizeram, e sua conclusão é de que não, não há CO2 suficiente.

O que existe nas calotas, pelo menos do que temos alguma medida de certeza, serviria no máximo para triplicar a densidade da atmosfera marciana (que continuari­a muito rarefeita, com um trigésimo da pressão atmosféric­a terrestre) e elevar em menos de 10 °C a temperatur­a média do planeta —longe de tornar Marte um potencial paraíso verdejante.

E outras fontes de CO2 no planeta, como gás preso em minerais, dificilmen­te poderiam ser extraídas e depositada­s na atmosfera.

“Como resultado, concluímos que terraforma­r Marte não é possível usando tecnologia­s presentes”, afirmam os pesquisado­res em artigo publicado na segunda(30), na revista Nature Astronomy.

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