Folha de S.Paulo

Livro sobre J. Hawilla escancara submundo da bola

- Naief Haddad

O Delator ***** Autores: Allan de Abreu e Carlos Petrocilo. Editora: Record. Preço: R$ 50 (ebook: R$ 38). 266 págs.

J. Hawilla se tornou um gigante do marketing esportivo. Sua empresa, a Traffic, se transformo­u numa das maiores do mundo nesse ramo, graças principalm­ente a um esquema de propinas que beneficiav­a os mais poderosos cartolas das Américas.

Em 2011, porém, autoridade­s dos EUA decidiram desvendar a teia de corrupção na elite do futebol mundial. Dois anos depois, Hawilla foi um dos primeiros a serem detidos. A queda do gigante levou à derrocada de dezenas de cartolas, a começar pelo ex-presidente da CBF, José Maria Marin, preso nos EUA.

É essa a saga apresentad­a pelo livro-reportagem “O Delator”, dos jornalista­s Allan de Abreu e Carlos Petrocilo.

A introdução é um dos pontos altos da obra. Narra os momentos em que Hawilla formalizou a delação diante de um juiz de Nova York, em 2013.

O empresário, então com 71 anos, já enfrentava graves problemas de saúde —morreu em maio de 2018.

Debilitado, ele faria qualquer coisa para escapar da cadeia, o que não seria fácil porque o FBI havia reunido provas contundent­es de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, entre outros crimes. A saída, então, foi delatar os seus comparsas.

Evidenteme­nte, a ação dos EUA não pôs fim à bandidagem no futebol, mas causou estrondo. Jamais a cartolagem havia sido devassada com tanto rigor, e os depoimento­s do homem-bomba Hawilla foram decisivos para promover essa primeira grande faxina.

Os autores também se saem bem ao expor a trajetória de Hawilla antes da Traffic. Como repórter de rádio, foi um dos responsáve­is por atiçar a ira de boa parte da torcida do Corinthian­s contra Rivellino depois da perda do título paulista para o Palmeiras, em 1974. O meia acabou trocando o time pelo Fluminense.

No fim da década de 1970, o repórter deixa a cena para a ascensão do empresário.

“O Delator” mostra também como a aliança corrupta entre a Fifa, então liderada por João Havelange, e a empresa de marketing ISL serviu como modelo para a parceria entre a CBF, com Ricardo Teixeira no comando, e a Traffic.

Juntos, Teixeira e Hawilla fizeram proezas. Uma delas foi receber quase US$ 30 milhões (cerca de R$ 115 milhões) da Nike por meio de um banco suíço e de uma offshore no paraíso fiscal das Bahamas.

O livro, aliás, tem passagens muito voltadas a Teixeira em detrimento de Hawilla, o que pode levar à dispersão do leitor. As artimanhas do ex-chefe da CBF merecem obra à parte.

“O Delator” também falha pela falta de concisão. Os autores se alongam em questões jurídicas que nem sempre são indispensá­veis para a história.

Esses problemas reduzem a fluência do livro, mas não compromete­m o valor e a pertinênci­a das informaçõe­s, algumas exclusivas. Ao fuçar o submundo do futebol, prática ainda rara entre os repórteres brasileiro­s, “O Delator” representa vitória do jornalismo.

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