Folha de S.Paulo

Matemático iraniano receberá uma nova medalha após furto em evento no Rio

Item sobressale­nte seria exposto na União Internacio­nal de Matemática, em Berlim, e será entregue nesta sexta (3)

- Fernando Tadeu Moraes

A história da Medalha Fields furtada no Rio de Janeiro vai ter um final feliz. A organizaçã­o do Congresso Internacio­nal de Matemático­s (ICM, na sigla em inglês) entregará uma nova ao iraniano de origem curda Caucher Birkar, 40, que teve sua medalha, popularmen­te conhecida como o “Nobel da matemática”, furtada logo após o fim da cerimônia de premiação, realizada na quarta-feira (1º).

A nova láurea será entregue ao matemático nesta sextafeira (3), após o jantar de gala do ICM, o evento mais importante da matemática, que ocorre pela primeira em um país do hemisfério Sul.

A reparação a Birkar será possível porque, além das quatro medalhas entregues na quarta, existe uma extra, “virgem”, na qual será gravado o seu nome. A medalha sobressale­nte havia sido cunhada junto com as que foram dadas aos vencedores mas seria exposta na sede da União Internacio­nal de Matemática, em Berlim.

“A medalha Fields é uma celebração da matemática, um momento de alegria, e queremos que o professor Caucher Birkar volte ao seu país com a melhor imagem do Brasil”, disse Marcelo Viana, presidente do Comitê Organizado­r do ICM-2018.

Após receber o prêmio, Birkar o guardou numa pasta. O furto ocorreu enquanto o matemático atendia a pedidos de fotos. Imagens obtidas pela Folha nesta quinta mostram os dois homens considerad­os suspeitos pela polícia carioca de terem cometido o crime.

As câmeras de segurança do local flagraram o momento em que um dos homens se aproximam da pasta com a medalha enquanto Birkar estava de costas. Ele coloca uma mochila em frente à pasta que guardava a medalha, aparenteme­nte com a intenção de escondê-la. Mais tarde, essa mesma mochila foi encontrada com os documentos do matemático.

O outro homem, que aparece com óculos na cabeça, estava andando e conversand­o com o rapaz de mochila, e também é considerad­o suspeito pela polícia.

Para adentrar o recinto onde ocorria a cerimônia era obrigatóri­o portar a credencial do evento ou estar com uma pulseira de convidado. Nas imagens é possível ver que nenhum dos dois portava a credencial.

Birkar é professor na Universida­de de Cambridge, na Inglaterra. Ele nasceu no Irã, na cidade curda de Marivan, bastante afetada pela guerra Irã-Iraque dos anos 1980, e estudou matemática na Universida­de de Teerã antes de ir para o Reino Unido em 2000. Depois de um ano, ele recebeu o status de refugiado, tornou-se um cidadão britânico e começou seu doutorado no país, na Universida­de de Nottingham.

Sua área de pesquisa é geometria algébrica, que, grosso modo, estuda a interconex­ão entre a geometria e a teoria dos números.

Outros três pesquisado­res também receberam a láurea matemática na quarta: o italiano Alessio Figalli, 34, o alemão Peter Scholze, 30, e o indiano Akshay Venkatesh, 36. Todos eles agora fazem parte do exclusivís­simo grupo de 56 matemático­s que já receberam a medalha, criada no ano de 1936.

Entre os vencedores anteriores está o brasileiro Artur Avila, que em 2014 tornou-se o primeiro latino-americano a conquistar a honraria.

A medalha Fields é um prêmio de caracterís­ticas únicas. É entregue de quatro em quatro anos (junto com os Congressos Internacio­nais de Matemático­s, também quadrienai­s) para matemático­s de até 40 anos. A cada edição, saem de duas a quatro medalhas para pesquisado­res com feitos extraordin­ários na carreira.

O cheque que acompanha a Fields é modesto, quando comparado com o do Nobel, que paga cerca de US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 4 milhões). A medalha matemática rende 15 mil dólares canadenses (R$ 43 mil) aos seus laureados.

No Congresso Internacio­nal de Matemático­s deste ano, estão previstas na programaçã­o acadêmica cerca de 1.200 palestras, painéis de debates, comunicaçõ­es e apresentaç­ões de pôsteres, num arco que cobre todas as áreas da matemática.

“Hoje é muito raro que um pesquisado­r vá a uma conferênci­a específica da sua área. O ICM é quase o único momento em que você consegue ter um panorama geral da matemática”, diz Viana.

Dada a extrema especializ­ação da matemática nas últimas décadas, não é raro que dois pesquisado­res de áreas distintas não consigam sequer entender o trabalho um do outro.

“Nesse sentido, muitas pessoas do meio, inclusive eu, acreditam que o congresso tem um papel importante em manter a matemática unida, como um corpo de conhecimen­to em que as várias partes se relacionam umas com as outras”, afirma o diretor do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

Além do foco acadêmico, o ICM também terá atividades voltadas à populariza­ção da matemática, abertas ao público, como o ciclo de cinco palestras promovido pelo Impa e pelo Instituto Serrapilhe­ira com matemático­s de destaque internacio­nal e divulgador­es da disciplina.

Nesta quinta, foi também realizado, durante o ICM-2018, a entrega das medalhas de ouro da 13ª Olimpíada Brasileira das Escolas Públicas (Obmep). Foram premiados 576 estudantes de todo o país.

Organizada pelo Impa, é a maior competição científica do mundo. Na última edição, participar­am 18, 2 milhões de estudantes.

Participar­am da entrega dos prêmios dois vencedores da medalha Fields, o brasileiro Artur Avila, e o francês Cédric Villani, ganhador em 2010. Antes da cerimônia, Avila foi condecorad­o com a Ordem Nacional do Mérito Científico, entregue pelo ministro da Educação Rossieli Soares. Quando discursava, Soares se referiu duas vezes ao brasileiro que ganhou a medalha, chamando-o de Artur Lira.

Em seu curto discurso após receber a ordem do mérito, Avila exaltou os estudantes que lotavam o auditório. “Cada vez que eu encontro os medalhista­s da Obmep eu entendo um pouco mais a importânci­a dessa olimpíada e a razão pela qual ela é uma competição tão especial.”

 ?? Andres Stapff/Reuters ?? CIVILIZAÇíO MAIA É ALVO DE NOVO ESTUDO Máscara mortuária da rainha maia Tzak-bu Ajaw é exposta no México; o colapso dessa civilizaçã­o começou mil anos atrás após grande seca, diz artigo na Science
Andres Stapff/Reuters CIVILIZAÇíO MAIA É ALVO DE NOVO ESTUDO Máscara mortuária da rainha maia Tzak-bu Ajaw é exposta no México; o colapso dessa civilizaçã­o começou mil anos atrás após grande seca, diz artigo na Science
 ?? Fotos Divulgação ?? Suspeitos de terem furtado a medalha Fields de Caucher Birkar; um deles carrega a mochila que depois foi encontrada com o celular e documentos do matemático
Fotos Divulgação Suspeitos de terem furtado a medalha Fields de Caucher Birkar; um deles carrega a mochila que depois foi encontrada com o celular e documentos do matemático
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil