Folha de S.Paulo

Contando bi-bis

- Ruy Castro

A trabalho em São Paulo, há alguns dias, resolvi contar o número de motoboys ultrapassa­ndo os táxis que eu tomava —algo que não posso fazer no Rio, onde esses profission­ais são raros. Mas logo desisti —impossível acompanhar o fluxo deles, sem parar, de um lado e do outro dos táxis. E esmagadora­mente todos, com ou sem motivo, fazendo bi-bi.

Bi-bi é o som produzido por suas buzinas. Comparado ao das buzinas dos carros, é até simpático. Está mais para cômico do que para agressivo —na verdade, é um som avícola, como o de um pato ou marreco ao ter o pé pisado sem querer pelo dono da granja. Decidi então tentar calcular o número de bi-bis produzidos por cada motoboy no trânsito.

Segundo cronometre­i, um motoboy faz cerca de 40 bi-bis por minuto. Isso significa 2.400 bi-bis por hora, o que, num expediente normal de oito horas, equivale a 19,2 mil bibis por dia. A ideia de alguém repetir um movimento, que não seja o de piscar os olhos ou mastigar, quase 20 mil vezes por dia, é alucinante —e mais ainda por não ser um movimento espontâneo. Sem falar em que seus bi-bis não são produzidos para abrir passagem, porque esta já está sendo aberta pelos colegas à sua frente, que também se encarregam de fazer bi-bi.

E este é o problema. Se cada motoboy escuta os bi-bis que emite, os quais são 19,2 mil por dia, e está cercado de centenas de outros motoboys produzindo igual número de bi-bis, é incalculáv­el a quantidade de bi-bis que cada um deles escuta por dia ao trabalhar. Misturados aos outros ruídos da estrada, e que não são poucos, a cacofonia nos ouvidos desses rapazes deve ser de enlouquece­r. Imagino que, ao fim do dia, ao guardar a moto e recolher-se a seu apartament­o ou casa, eles queiram ingressar num mundo nirvânico, de paz e silêncio, não?

Que nada. Garantiram-me que, em suas horas de folga, eles pegam a moto e vão todos para a Galeria do Rock.

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