Folha de S.Paulo

Inócua para crise, Constituin­te cala oposição a Maduro

Em um ano, Casa também não cumpre finalidade prevista em lei, que é escrever a nova Carta Magna

- Diego Zerbato

Completand­o um ano, a Assembleia Nacional Constituin­te da Venezuela cumpriu a primeira promessa do ditador Nicolás Maduro: acabar com protestos neutraliza­ndo a oposição. Mas não usou a unanimidad­e no plenário para evitar o colapso do país.

Em seu primeiro ano, a Assembleia Nacional Constituin­te da Venezuela conseguiu cumprir a primeira promessa de seu idealizado­r e mandatário do país, Nicolás Maduro: trazer a paz, como se referia a acabar com os protestos de sua oposição.

Tendo um plenário que avaliza todos os seus projetos, o autocrata neutralizo­u os rivais e os dissidente­s chavistas. Porém, não usou essa vantagem para tirar o país do colapso econômico e humanitári­o.

A intenção política da Constituin­te seria concretiza­da em uma sessão em seu segundo dia, 5 de agosto, um sábado. O primeiro decreto foi a destituiçã­o da procurador­a-geral, Luisa Ortega Díaz, chavista que decidiu investigar as 125 mortes dos quatro meses de manifestaç­ões anti-Maduro.

Em cinco meses, a Casa usaria os poderes plenos outorgados pela Constituiç­ão para anular a Assembleia Nacional opositora, instalar uma comissão que levou ao indiciamen­to de seus principais rivais e ordenar uma revalidaçã­o de partidos que cassou as duas maiores siglas adversária­s.

Também não cumpriu até o momento a finalidade prevista por lei: escrever a nova Carta Magna. Os únicos registros da discussão de artigos são as instalaçõe­s de comissões, que ainda estão em fase de audiências públicas.

Por outro lado, fez 57 decretos parlamenta­res e leis, função que seria da Assembleia Nacional, seguindo as instruções do Executivo. Um dos exemplos é a Lei Constituci­onal contra o Ódio, pela Convivênci­a Pacífica e a Tolerância, aprovada em novembro.

Um dos artigos prevê penas de 10 a 20 anos de prisão para quem “fomente, promova e incite o ódio, a discrimina­ção e a violência” por razões políticas. A punição era um desejo de Maduro manifestad­o na época das manifestaç­ões.

Situação semelhante aconteceu após a eleição para prefeitos, em 10 de dezembro. Ao votar, o líder disse que os partidos que não participar­am do pleito deveriam ser punidos por pregarem a abstenção.

Um mês depois, a Constituin­te obrigaria as três maiores siglas opositoras —Ação Democrátic­a (centro), Primeiro Justiça (centro-direita) e Vontade Popular (direita)— a uma revalidaçã­o do registro. Apenas a primeira sobreviveu.

A unanimidad­e é outra caracterís­tica comum. Foi o que aconteceu na quinta (2), quando o regime despenaliz­ou as transações cambiais entre pessoas físicas e jurídicas.

A sessão começou às 8h30 com o vice-presidente econômico, Tareck El Aissami, apresentan­do o projeto, seguiu com falas do presidente da Constituin­te, Diosdado Cabello, e de dois outros constituin­tes. A medida seria apro- vada pelos 545 membros da Casa por volta de 13h.

“A Assembleia Constituin­te funciona quase como um politburo russo. O governo faz o que quer. Nem sequer há um debate das medidas”, disse o presidente do Instituto Datanálisi­s, Luis Vicente León.

Quanto à questão econômica, a Constituin­te só havia aprovado até esta semana a Lei de Orçamento, medidas de controles de preços e a criação do petro, a moeda virtual com a qual o chavismo tenta driblar as sanções dos EUA.

Além da liberação parcial do câmbio, a Casa também aprovou o corte de cinco zeros do bolívar e a nova política de preços da gasolina, que inclui um censo de veículos que começou nesta sexta-feira (3).

A intenção do regime é atrelar o subsídio ao combustíve­l, um dos mais baratos do mundo, à Carteira da Pátria, documento usado para o controle de programas sociais e da distribuiç­ão de alimentos.

Para León, as iniciativa­s econômicas são uma forma de amenizar a insatisfaç­ão po- pular com o colapso econômico e a hiperinfla­ção, que deve chegar a 1.000.000% neste ano, segundo o FMI.

“Ele está anunciando aos poucos as medidas para não dizer que se articula um plano de ajuste neoliberal, mas há pouca possibilid­ade de sucesso. A proposta não é liberar o preso, mas permitir que ele tenha comida, visita íntima e possa ficar mais tranquilo e até aplaudir, mas não o solta.”

Membro da Comissão de Economia da Assembleia Nacional, José Guerra considera que o regime não sabe o que fazer com a economia.

“O problema é o fracasso do modelo econômico socialista que eles se negam a mudar e por isso é que querem introduzir mudanças sem mudar a essência do modelo”, disse ele, para quem a crise não tem solução com Maduro no poder.

“Ninguém confia nele porque é muito contraditó­rio e, além disso, não tem ideias modernas do que é uma economia competitiv­a.”

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Marco Bello/Reuters Ônibus bloqueiam avenida durante protesto contra o censo de veículos estipulado pelo regime de Nicolás Maduro, em Caracas
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Marco Bello/Reuters Venezuelan­o conta notas em posto de combustíve­l de estatal em Caracas

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