Folha de S.Paulo

MT propõe lei que desmataria área de três municípios de SP

Estado diz que legislação permite uso sustentáve­l da região e que novos pedidos para desmatamen­to estarão sujeitos a estudos

- Rodrigo Vargas

Uma lei de iniciativa do governador de Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), abriu a possibilid­ade de desmatamen­to de área equivalent­e a três municípios do estado de São Paulo. A região, de 4.734 km², resguarda um dos principais rios formadores do Pantanal, o Cuiabá.

Uma lei de iniciativa do governador de Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), abriu a possibilid­ade de desmatamen­to de uma área equivalent­e a cerca de três municípios de São Paulo. A região protegida em questão resguarda um dos principais rios formadores do Pantanal.

Apresentad­a em dezembro e aprovada há duas semanas, a proposta excluiu do texto original, editado em 1999, a proibição de novas derrubadas na Área de Preservaçã­o Ambiental (APA) das Cabeceiras do Rio Cuiabá, com 473,4 mil hectares ou 4.734 km² na região centro-sul do Estado.

A medida está suspensa pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal, que denunciou o risco de impactos ambientais diretos à Bacia Hidrográfi­ca do Rio Paraguai e às terras indígenas Santana e Bacairi, da etnia Bacairi.

Segundo a Procurador­ia, a alteração contraria o princípio constituci­onal que veda o retrocesso socioambie­ntal.

“Trata-se de um intoleráve­l comprometi­mento à integridad­e dos atributos que justificar­am a criação desta unidade de conservaçã­o”, apontou o procurador Pedro Melo Pouchain Ribeiro.

Na justificat­iva encaminhad­a à Assembleia, o governo Taques diz que a mudança tem o propósito de “conciliar a conservaçã­o da natureza com o uso sustentáve­l de parcela dos seus recursos naturais”.

“[A lei que criou a APA] é anterior à publicação da lei nº 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservaçã­o (Snuc) que não impõe óbice ao uso sustentáve­l do meio ambiente nas Áreas de Proteção Ambiental (APA’s)”, afirma o texto.

Desde a criação da unidade, a vedação às derrubadas não impediu que os proprietár­ios de terras da região abrissem novas áreas.

Um levantamen­to coorde- nado pela ONG Instituto Centro de Vida (ICV) apontou que o desmatamen­to acumulado na unidade atingiu, até 2016, 184.920 hectares —cerca de 40% da área protegida total.

Desse total, a entidade afirma que 33,5% ocorreu após a criação da APA —somente entre 2012 e 2016, foi aberta uma área de 13.454 hectares.

Além disso, 74% (ou 9.959 hectares) desse desmatamen­to mais recente ocorreu em imóveis rurais já inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), segundo informaçõe­s da entidade.

Até 2017, o CAR listava 192 imóveis parcial ou totalmente no interior da APA, dos quais 148 são considerad­os grandes ou médios.

“Dessas, 45 propriedad­es ocupam mais de 50% da área da APA, o que aponta a grande concentraç­ão fundiária existente na região”, afirma o levantamen­to.

Entre os proprietár­ios de terras no interior da APA, estão nomes como os dos produtores Wellington Formigoni e Otávio Palmeira dos Santos, que figuram na lista de doadores da campanha de Taques ao governo do estado em 2014.

Outro possível interessad­o direto na alteração da Lei é o ex-governador de Mato Grosso e pré-candidato ao Senado, Jayme Campos (DEM).

O político é proprietár­io da fazenda Santa Inês, de 11 mil hectares ou 110 km², localizada no município de Rosário Oeste (a cerca de 120 km de Cuiabá, capital de Mato Grosso).

Campos e seu partido foram aliados ao governador ao longo de quase todo o mandato. Recentemen­te, porém, ele se afastou para articular uma frente de oposição à reeleição de Taques.

Para Alice Thuault, diretora-adjunta da ONG Instituto Centro de Vida , a permissão ao desmatamen­to na APA é um claro retrocesso em relação aos compromiss­os firmados pelo governo de Mato Grosso durante a COP 21 (Conferênci­a Global do Clima), realizada em dezembro de 2015 em Paris.

“Mudar uma lei consolidad­a para poder favorecer o desmatamen­to em uma APA é algo que vai na direção contrária a tudo o que foi prometido”, disse.

Segundo ela, o governo tenta apresentar a mudança como uma mera atualizaçã­o da legislação federal em vigor, em relação à qual não haveria alternativ­a —justificat­iva que a ambientali­sta classifica como uma falácia.

“Cada APA tem suas particular­idades que permitem regulament­ar, ou não, o desmatamen­to. No caso desta, sua importânci­a para o Pantanal, por si só, justifica a manutenção das restrições estabeleci­das em 1999”, afirmou.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), em nota à reportagem, afirmou entender que a nova norma é legal, consideran­do que equipara os atos normativos da unidade à sua categoria de uso sustentáve­l.

A Sema “informa que só irá atender pedidos de novos desmatamen­tos da unidade de conservaçã­o Área de Proteção Ambiental (APA) Cabeceiras do Rio Cuiabá após diagnóstic­o completo e estudos técnicos sobre a região”, afirmou o órgão.

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Edson Rodrigues/Folhapress Rio Cuiabá em área próxima à nascente, na cidade de Rosário Oeste, no Mato Grosso

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