Eleição joga água fria em transição no Zimbábue
Mathias Alencastro
Eleições ilegítimas nem sempre enfraquecem autocratas. Podem ajudá-los a fortalecer as bases e dividir a oposição. Se for o caso no Zimbábue, pode atrasar a transição democrática no país.
A eleição presidencial de 30 de julho no Zimbábue deveria confirmar a tendência de retomada do processo democrático na África austral após a recente destituição de Jacob Zuma na África do Sul e da abdicação de José Eduardo dos Santos em Angola. Com 23 candidatos concorrendo pela primeira vez desde 1980, esperava-se que o pleito desse início a uma era após a saída de Robert Mugabe, 94, em novembro de 2017.
Os entusiastas da democracia estavam otimistas. A pressão da comunidade internacional, que aceitou reconhecer o novo governo em troca da organização de eleições, criou expectativas de um pleito transparente. As dinâmicas internas dos dois principais partidos prometiam uma eleição competitiva.
O Zanu-PF lançou o presidente interino Emmerson Mnangagwa, 75, com a promessa de tirar o Zimbábue do marasmo rapidamente, uma ousadia para um partido no poder desde 1980.
Conhecido por décadas como o “cesto de pão” da África austral, o país de 16 milhões é hoje um dos mais expostos à insegurança alimentar.
Órfão do seu principal líder, Morgan Tsvangirai, morto em fevereiro, o MDC, principal partido de oposição, apostou na renovação com Nelson Chamisa, 40, que conduziu uma campanha horizontal nas regiões urbanas.
Ele contou com um aliado de última hora, o próprio Mugabe, que declarou o seu apoio antes do voto.
Anunciada na madrugada desta sexta (3), a vitória de Mnangagwa não surpreende. Afinal, a máquina do Zanu-PF está profundamente enraizada nas zonas rurais.
Mas a condução do processo desfez a ilusão de quem acreditava na transição rápida para a democracia.
O clima azedou de vez na quarta (1º), quando soldados com barras de ferro, armas automáticas e sjamboks (chicotes de pele de hipopótamo) invadiram o centro de Harare para reprimir quem protestava contra a falta de transparência na apuração.
Horas antes, as nove principais missões de observadores internacionais haviam alertado para graves problemas na apuração de votos.
Confirmando o pior cenário, a burocracia do Estado retomara os velhos hábitos.
No recém-publicado livro “How to Rig an Election” (como roubar em uma eleição), Nic Cheeseman e Brian Klaas identificam o governo do Zimbábue sob Mugabe como um especialista na arte de manipular resultados.
Símbolo da primazia da continuidade institucional, o próprio candidato do Zanu-PF, Mnangagwa, era o responsável pela organização de eleições no ancien régime.
A vitória garante a sobrevida do aparelho político-militar da Zanu-PF, mas Mwagagwa terá de enfrentar a suspeição da comunidade internacional e a combatividade da sociedade civil, que aproveitou a eleição para lançar uma nova geração de militantes.
Isto posto, Cheeseman e Klaas alertam para o fato de que as eleições ilegítimas nem sempre enfraquecem os autocratas. Elas podem ajudá-los a obter ajuda externa, fortalecer as bases e dividir a oposição.
Se os dois estiverem certos, esta eleição pode atrasar a transição no Zimbábue.