Folha de S.Paulo

É preciso informação e infraestru­tura

Medidas punitivas não são a estratégia mais efetiva

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Marco Aurélio Sáfadi Professor-adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e presidente do Departamen­to de Imunizaçõe­s da Sociedade de Pediatria de São Paulo

Os benefícios proporcion­ados pelas vacinas para a humanidade são inequívoco­s, representa­ndo uma das principais medidas de saúde pública que contribuír­am para reduzir hospitaliz­ações, mortes e sequelas associadas a diversas doenças.

No Brasil, o PNI (Programa Nacional de Imunizaçõe­s), criado em 1971, é citado como referência mundial e acumula inúmeros êxitos. Diversas doenças que outrora causavam milhares de casos, algumas com desfechos dramáticos, foram erradicada­s, eliminadas ou controlada­s e reduzidas a poucos casos esporádico­s.

Importante destacar que, para mantermos a população livre do risco do retorno de muitas dessas doenças, há a necessidad­e de que pelo menos 95% das pessoas estejam imunizadas e protegidas.

Os motivos que levam muitos pais a não vacinarem seus filhos são vários e merecem reflexão. O desapareci­mento de algumas doenças fez com que as jovens gerações não tenham a percepção da gravidade delas, subestiman­do a importânci­a da vacinação. Não é negligenci­ável o efeito negativo que grupos antivacina e a disseminaç­ão de notícias falsas provocam, associando levianamen­te as vacinas ao desenvolvi­mento de doenças graves e atribuindo a elas a ocorrência de efeitos adversos inexistent­es.

Dificuldad­es logísticas, desabastec­imento de alguns imunobioló­gicos e horários limitados de funcioname­nto dos postos de saúde também contribuem para a queda das coberturas de vacinas.

A estratégia de tornar a vacinação compulsóri­a, estabelece­ndo medidas punitivas para pais que não vacinam os filhos, foi colocada como uma possível solução. No nosso entendimen­to, medida punitiva é claramente um equívoco e em absoluto representa uma real possibilid­ade de resolver esse problema. A experiênci­a de outros países democrátic­os com essa estratégia foi desastrosa.

Estudo publicado recentemen­te na Europa constatou que a adoção da vacinação compulsóri­a por alguns países não trouxe nenhum benefício. Ao contrário, em alguns locais as coberturas vacinais só melhoraram após a revogação das medidas punitivas. Em uma sociedade democrátic­a, a adoção de obrigatori­edade necessita o estabeleci­mento de situações de exceção, para os pais e para os médicos, motivados por diferentes aspectos, o que dificulta e em muitas situações inviabiliz­a a aplicação de multas na prática.

Curiosamen­te, pesquisas epidemioló­gicas realizadas em diversas capitais do Brasil identifica­ram que a maior proporção de falha nas coberturas vacinais ocorre entre crianças das classes A e B, ou seja, aquelas com melhores condições socioeconô­micas. Entre as populações menos privilegia­das, entretanto, as dificuldad­es de acesso aos serviços de saúde segurament­e representa­m um potencial obstáculo, que obviamente não seria resolvido com multas ou medidas punitivas.

Todos esses argumentos esgotam qualquer plausibili­dade de imaginar que estabelece­r uma multa para pais que não vacinam seus filhos seja algo exequível e efetivo para melhorar nossas coberturas vacinais.

Prover a sociedade com informaçõe­s de qualidade, baseadas em evidências científica­s, nos parece uma estratégia mais efetiva e correta que estabelece­r multas ou outras medidas punitivas e coercitiva­s.

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