Ex-lutadores dos EUA acusam médico de abuso sexual
Inspirados por depoimentos de ginastas mulheres, ex-atletas de luta greco-romana dizem terem sido molestados em Ohio
Lutador greco-romano peso pesado da Universidade Estadual de Ohio que se tornou profissional, Nick Nutter viu na TV em janeiro como, uma a uma, exginastas mulheres contaram como o médico Larry Nassar usou seu poder para abusar sexualmente delas.
As memórias que havia muitos anos Nutter tentava enterrar voltaram a aparecer: como a de que, quando estava na faculdade, o médico de seu time o chamou para um tratamento de emergência em sua casa devido a uma alergia na pele e repetidamente tocou em seus genitais —e como há 20 anos o lutador gigante e durão não disse nada.
Foi aí que, afirma, acordou a fera. Em entrevista, ele disse ter sempre raciocinado que ele era um médico e que ele tinha um bom motivo para fazê-lo, mas esse era o mesmo pensamento de muitas vítimas de Nassar e agora elas estão revelando isso —muitas delas com metade de seu tamanho, mas aparentemente muito mais coragem.
Nutter disse ter ligado para os colegas de luta e perguntado: “Vocês estão vendo isso?”. “Foi [o caso da] Universidade Estadual do Michigan que nos fez dizer, ‘Ei, isso também pode acontecer com garotos’”.
Até agora mais de cem homens revelaram que foram molestados por Richard Strauss, médico da Universidade do Estado de Ohio entre o fim da década de 1970 e a década de 1990, segundo uma investigação independente feita pela instituição.
Três processos foram abertos contra a entidade, acusando-a de permitir a atividade de um abusador sexual, o que colocou a escola na mesma categoria da Universidade Estadual de Michigan, onde Nassar atacou as atletas femininas.
A lista também inclui um grupo de jogadores abusados pelo ex-treinador de futebol americano Jerry Sandusky na Universidade Estadual da Pensilvânia e as alunas atacadas por um ginecologista na Universidade do Sul da Califórnia.
Nesta semana, a Universidade Estadual do Ohio afastou temporariamente o técnico do time de futebol americano, Urban Meyer, para investigá-lo por violência doméstica contra um de seus assistentes em 2015.
De certa forma, o que separa o caso de abuso sexual de Ohio dos outros são as vítimas: jovens adultos, e muitos deles lutadores musculosos, que foram deixados lidando com uma dor e uma angústia que eles acreditavam que não deveriam ter.
Tendo montado suas identidades em torno de noções tradicionais de dureza e domínio das emoções, muitos agora têm dificuldades de aceitar sua nova identidade —#MeToo (Eu também), ou, no caso deles, #UsToo (Nós também).
Para complicar a situação, Jim Jordan, ex-assistente técnico da equipe de Ohio, hoje é um poderoso deputado conservador e é cotado para ser presidente da Câmara em 2019. Ele negou ter conhecimento de qualquer má conduta sexual e acusou alguns dos denunciantes de terem motivações políticas.
“As pessoas dizem que é oportuno que levantemos essa história agora”, disse Michael Rodríguez, ex-lutador que foi abusado por Strauss e caiu na real. “Mas, para mim, tudo isso tem a ver com o #MeToo.”
Ele se lembra de estar vendo TV com a filha de 13 anos em 2017 quando um programa comentava os casos de abuso sexual do produtor de cinema Harvey Weinstein e a ampla sensação de reconhecimento que isso provocou. “Meu Deus, eu também sou um deles”, afirmou à filha.
Capitão do time de luta greco-romana de 1978, David Mulvin se lembra de ter aberto um jornal local e lido que um outro homem denunciou Strauss como seu abusador. “Meu queixo caiu. Eu disse: ‘Então não fiz nada de errado’.”
Ele afirmou que Strauss o masturbou por quase 20 minutos depois que ele buscou tratamento para uma infecção em uma queimadura em sua virilha provocada pelo macacão.
Assim como Mulvin, algumas vítimas nutriam vergonha e culpa por delatar Strauss —que se matou em 2005—, devido à resposta física óbvia que as vítimas femininas de abuso não podem mostrar, explicou Nutter. “As pessoas se sentem culpadas. Acho que eles sentiram uma ereção naquele momento. É como dizer: ‘É algo de que eu gosto’”.
Bebendo em um bar ou comendo em uma padaria no mês passado, os lutadores relembravam e faziam brincadeiras com suas próprias reações, levando a risadas.
Eles reconhecem as lágrimas que as ex-ginastas mostraram durante o julgamento de Nassar, mas eles dizem que, para eles, rir é a única forma socialmente aceita de mostrar o que aconteceu com eles.
“A sociedade nos ensina que é constrangedor falar sobre abuso sexual”, afirmou Steve Snyder-Hill, que, após ser molestado por Strauss, abriu processo contra a Universidade do Estado do Ohio nos anos 1990.
A universidade respondeu que não tinha nenhuma outra reclamação sobre o médico.