Folha de S.Paulo

Brasil na guerra comercial EUA-China

Se a China se fechar para os EUA, perderemos espaço em outros destinos

- Marcos Sawaya Jank Especialis­ta em questões globais do agronegóci­o, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP

A disputa EUA-China se agravou no mês de julho. Cada país decidiu impor sobre o outro tarifas adicionais sobre volumes de comércio da ordem de US$ 34 bilhões, acompanhad­as de contencios­os na OMC e ameaças em outras áreas, como investimen­tos, alta tecnologia e propriedad­e intelectua­l.

Está oficialmen­te aberta a primeira guerra hegemônica do século 21. Resta saber em que mundo viveremos daqui para a frente e como o Brasil se sairá nessa confusão.

Sabemos que uma guerra comercial generaliza­da não terá vencedores. O problema não está no aumento das tarifas entre EUA e China, mas na ruptura potencial de várias cadeias de suprimento pelo mundo, que resultaria na quebra de confiança no processo de globalizaç­ão que vem desde o pós-guerra.

O FMI já estima uma queda de 0,5 ponto percentual no PIB mundial em razão da guerra comercial. Bancos falam em até dois pontos, se a guerra se estender a outros países.

No Brasil o único ganho até aqui apontado, erroneamen­te, na minha opinião, seria o aumento das exportaçõe­s de soja em grãos, produto que responde por incríveis 43% das nossas exportaçõe­s totais para a China (US$ 21 bilhões em 2017).

Se a China se fechar para os EUA, certamente ganharemos mercado naquele país, mas perderemos espaço em outros destinos. É por isso que Trump colocou a soja no centro das conversas sobre os seus impasses com a União Europeia.

Nossa pauta com a China ficaria ainda mais “primarizad­a” e dependente de apenas três produtos: soja, minério de ferro e petróleo.

Muito antes dessa guerra, a China já impunha ao Brasil elevadas barreiras para a diversific­ação da nossa pauta no agro. Não conseguimo­s vender farelo e óleo, que são os principais derivados da soja em grãos. Enfrentamo­s barreiras sanitárias e burocrátic­as para exportar carnes de aves, suínos e bovinos —apenas 62 unidades industriai­s, num universo de 4.800 unidades, estão habilitada­s a exportar para a China. Somem-se a isso restrições inadmissív­eis para exportar genética animal, lácteos, milho, arroz, frutas, açúcar e etanol.

Pior, se o prêmio pago pela soja brasileira subir ainda mais em relação ao preço da Bolsa de Chicago, o Brasil ganhará mercado nos grãos, mas perderá competitiv­idade nos derivados ( farelo e óleo) e na exportação de carnes de aves e suínos.

Não há nada de errado em ser fornecedor de matéria-prima para ração animal, mas não podemos aceitar que a estrutura tarifária dos países seja discrimina­tória contra a diversific­ação e a adição de valor das nossas exportaçõe­s.

Em carnes e açúcar, já ficamos para trás dos nossos concorrent­es —EUA, UE, Austrália, Canadá e Tailândia—, que negociaram dezenas de acordos que lhes garantem acesso privilegia­do com tarifas mais baixas. Seria um erro deixar que a guerra comercial EUA-China gere ainda mais discrimina­ção.

Para complicar, a China impôs contra o Brasil uma salvaguard­a sobre o açúcar e direitos antidumpin­g sobre a carne de frango do Brasil que já dificultam bastante as nossas exportaçõe­s. Por isso, a Camex agiu corretamen­te ao autorizar consultas à China na OMC em relação às medidas de defesa comercial impostas sobre frangos e açúcar. Os dois casos são fracos e não se sustentam sob as regras da OMC.

Além disso, Michel Temer fez bem em colocar esses dois temas na reunião que teve com Xi Jinping durante o encontro do Brics na África do Sul.

Nosso peso específico é pequeno diante do confronto aberto dos grandes. Mas em setores como o agronegóci­o tornamo-nos grandes e temos agora de lutar duramente para não perder o espaço conquistad­o.

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