Folha de S.Paulo

Rosa Weber defende que STF opine sobre aborto

Expositore­s a favor e contra a descrimina­lização até a 12ª semana de gestação emocionara­m a plateia em suas falas

- Reynaldo Turollo Jr.

Relatora da ação que discute a descrimina­lização do aborto até a 12ª semana de gravidez, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber respondeu sutilmente às críticas de que o tema não deveria ser discutido no Judiciário, mas sim no Congresso.

Ao abrir nesta sexta (3) a audiência pública realizada no STF para debater o assunto, Rosa afirmou que, em uma democracia constituci­onal, a resolução de uma controvérs­ia pode se dar no Legislativ­o ou no Judiciário.

“Falar em democracia constituci­onal, que é um conceito que não se reduz ao conceito de democracia majoritári­a representa­tiva, sem compreende­r os valores fundamenta­is que a viabilizam é incidir em mera retórica”, disse.

“Há que reconhecer o valor da divergênci­a e ter presente o conflito entre os direitos fundamenta­is envolvido nessas questões constituci­onais. Mas há que reconhecer o valor do arbitramen­to necessário à resolução do problema, por meio de processo público de tomada de decisão, seja no âmbito do Parlamento, seja no âmbito do Poder Judiciário, sem recurso à violência de qualquer ordem, física ou verbal”, completou.

Rosa destacou que a Justiça só se pronuncia sobre um tema quando é provocada, e, nesse caso, não pode deixar de dar uma resposta.

Integrante da Primeira Turma do STF, Rosa já votou a favor da tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Na ocasião, em novembro de 2016, a maioria da turma firmou esse entendimen­to com os votos de Rosa, Luís Roberto Barroso (que propôs a tese) e Edson Fachin.

A decisão da turma em 2016 só valeu para um caso específico que envolvia profission­ais de uma clínica clandestin­a de aborto em Duque de Caxias (RJ), mas foi vista como um precedente no sentido da descrimina­lização.

A ação em discussão hoje no Supremo foi ajuizada no ano passado pelo PSOL, que pediu para os ministros excluírem do âmbito de incidência de dois artigos do Código Penal os abortos que forem praticados nas primeiras 12 semanas de gestação.

Os artigos são o 124, que criminaliz­a a mulher (detenção de 1 a 3 anos), e o 126, que criminaliz­a quem provocar o aborto, incluindo profission­ais de saúde (pena de 1 a 4 anos de reclusão). Hoje o aborto só é permitido em três tipos de gravidez: decorrente de estupro, que cause risco à vida da mulher ou de feto anencéfalo.

A audiência realizada nesta sexta e na próxima segunda (6) visa dar argumentos diversific­ados aos 11 ministros da corte para julgarem o processo. Ainda não há data para o julgamento final da ação.

Uma das principais críticas daqueles que são contrários à descrimina­lização do aborto é que uma eventual mudança deveria vir do Congresso, e não do Supremo.

“O STF é poder constituíd­o, não poder constituin­te, e não pode tirar a prerrogati­va constituin­te de quem é de direito. A judicializ­ação da questão do aborto agrava o equilíbrio que deve haver entre os poderes”, disse na audiência pública o representa­nte da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Hermes Nery.

Em meio a dados sobre mortes de mulheres no país e imagens de embriões humanos em formação, os expositore­s levaram à audiência relatos de experiênci­as pessoais e performanc­es que comoveram a plateia.

O momento de maior comoção foi quando o pediatra Sérgio Rego, representa­nte da Sociedade Brasileira de Bioética, revelou sua história familiar. Casado com uma médica, eles tiveram um filho com deficiênci­a e decidiram não ter outras crianças para se dedicarem à criação do garoto.

Apesar da decisão, o planejamen­to familiar falhou, contou Rego, e sua mulher engravidou. Juntos, eles optaram, então, por fazer um aborto —o que sempre esteve disponível para quem pode pagar, observou o médico.

Com propósito contrário, Rosemeire Santiago, do Centro de Reestrutur­ação para a Vida, levou à audiência um jovem que tocou violino. A mãe dele foi uma das mulheres acolhidas por sua entidade, que dá apoio a mães que cogitam abortar, mas resolvem ter os filhos.

Numa encenação, o jovem surpreende­u os presentes ao “invadir” o plenário com o instrument­o, até ser interrompi­do pelo início da fala de Rosemeire. “A metáfora que eu quis criar é que, como eu o interrompi, a mãe dele também poderia ter feito”, explicou Rosemeire após o evento.

Na segunda-feira serão ouvidos representa­ntes de diversas religiões.

 ?? Marcelo Camargo/Agência Brasil ?? Mulheres vestidas como no seriado ‘The Handmaid’s Tale’ fazem ato em frente ao STF, em Brasília
Marcelo Camargo/Agência Brasil Mulheres vestidas como no seriado ‘The Handmaid’s Tale’ fazem ato em frente ao STF, em Brasília

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