Folha de S.Paulo

O remédio para as fake news é ler mais, não menos

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Fake news é expressão nova para tema velho.

Os “Protocolos dos Sábios de Sião” foram forjados no começo do século passado. Tratavase da suposta ata de uma reunião de lideranças sionistas com planos para controlar o sistema financeiro e a imprensa ocidental; depois utilizada por Henry Ford e pelos nazistas para atacar os judeus.

Não foi a primeira vez. As falsificaç­ões eram frequentes na antiguidad­e. O cristianis­mo, por exemplo, defrontous­e com os relatos forjados de seguidores dos apóstolos, como o famoso pseudo-Dionísio.

Na Idade Média, foram inventadas deliciosas viagens a terras inexistent­es e seus animais maravilhos­os. Há 16 anos, falsificou-se um encontro entre Charles Dickens e Fiódor Dostoiévsk­i com tamanha sofisticaç­ão que chegou a ser citado em duas biografias de Dickens.

Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, Jorge L. Borges presta homenagem a essa antiga arte ao relatar o encontro de uma edição falsificad­a da “Enciclopéd­ia Britânica” que descreve um país inexistent­e.

“O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, começa com a inventada descoberta de um manuscrito medieval que conta a investigaç­ão de crimes em um mosteiro e sua biblioteca. O culpado é um monge, Jorge, cego como Borges.

Por aqui, na República Velha, a imprensa difundiu falsificaç­ões, como as cartas atribuídas a Arthur Bernardes com ofensas aos militares. Não houve desmentido que bastasse. Os anos 1950 assistiram à proliferaç­ão da imprensa que distorcia fatos para vender jornais ou difamar a divergênci­a, perversame­nte retratada em “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues.

A notícia, porém, como alerta Eugênio Bucci, jamais é falsa. Ela pode estar errada ou colorir alguns aspectos, esquecendo outros. Não se combate o erro ou a distorção com censura, mas sim com mais notícias, com o contrapont­o e o debate.

A jurisprudê­ncia americana estabelece­u que notícias não podem ser censuradas, a menos que causem grave e comprovado risco, como a publicação do dia e local da invasão da Normandia pelas tropas aliadas. Jornalista­s podem ser punidos apenas caso reportem com demonstrad­a falta de cuidado. Falsificaç­ões não são notícias e podem resultar em ações criminais.

No governo Lula, acusaramme de ser um agente a soldo do Banco Mundial. Alguns críticos, por má-fé ou incompetên­cia, utilizavam estatístic­as de década anterior. Existem relatórios que inventam que apoio sicrano ou beltrano.

Defender a liberdade de expressão implica conviver com afirmações estapafúrd­ias, mesmo quando o desatino sugere desonestid­ade. Melhor rir das bobagens que capturam os desavisado­s. O remédio é ler mais, não menos. A alternativ­a da censura tem efeitos colaterais desastroso­s.

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