Folha de S.Paulo

Demanda por robô cresce na indústria, mas adoção é baixa

País é só o 39º entre 44 que mais usam a robótica; especialis­tas veem perda de competitiv­idade

- Filipe Oliveira Eduardo Knapp/Folhapress

Apesar do cresciment­o, são poucas as empresas que adotam a robótica no país. O Brasil tem 10 robôs a cada 10 mil trabalhado­res —a média global é 74— e está em 39º em ranking com 44 países que usam a tecnologia.

Depois que um profission­al da fábrica da Unilever em Aguaí (SP) coloca um conjunto de 93 latas vazias na esteira, ninguém mais precisa encostar nelas para que caixas de desodorant­es cheios e tampados das marcas Dove e Rexona deixem a empresa.

Trabalham ali empilhadei­ras autônomas, que levam caixas com insumos e itens prontos de um lado para o outro, máquinas que sozinhas enchem as garrafas e as tampam em fração de segundo e braços robóticos que fazem o encaixotam­ento dos itens.

Há também um robô que, de duas em duas horas, pega itens prontos e verifica caracterís­ticas como peso e diâmetro.

As máquinas registram tudo o que fazem e geram gráficos para que os operadores acompanhem o processo.

Equipadas com sensores, elas se comunicam. Ninguém precisa avisar que faltam latinhas na esteira. O sistema faz solicitaçõ­es de mais suprimento­s por conta própria.

Braços humanos não são usados nem para abastecer o caminhão que leva os itens para o centro de distribuiç­ão da empresa. Caixas com o produto final são empilhadas sobre uma esteira posicionad­a na frente do veículo e descarrega­m o conteúdo ali dentro.

Ricardo Gomes, diretor da fábrica, diz que ela foi desenvolvi­da buscando o que há de mais atual em termos de sustentabi­lidade e tecnologia. Com três anos, é a unidade mais nova da companhia no Brasil. A Unilever tem dez complexos fabris no país.

Segundo ele, a automação torna a produção mais eficiente, aumentando a qualidade e reduzindo o desperdíci­o.

Em algumas semanas, até o abastecime­nto da esteira com latas será feito por máquinas.

Gomes nega que a adoção de automação diminua o número de trabalhado­res. Segundo o executivo, ela permite que eles deixem atividades repetitiva­s e desconfort­áveis e passem a se dedicar a buscar melhorias para a produção ou atuar em outras áreas.

“Temos de desmistifi­car a ideia de que a automação impacta a participaç­ão de pessoas. Quando a usamos, precisamos do ser humano, mas em áreas estratégic­as.”

A companhia não informa qual o número de profission­ais na unidade de Aguaí.

Apesar de a robótica estar em cresciment­o no Brasil, exemplos como o da multinacio­nal ainda são raros no país.

Segundo dados da IFR (Federação Internacio­nal de Robótica, na sigla em inglês), o Brasil tem dez robôs a cada 10 mil trabalhado­res. A média global é de 74.

O Brasil fica na 39ª posição em um ranking de 44 países que mais usam a tecnologia. A liderança é da Coreia do Sul, com 631 robôs por 10 mil trabalhado­res, seguida por Singapura (488) e Alemanha (309).

O atraso ameaça a competitiv­idade das empresas brasileira­s, segundo Fernando Madani, coordenado­r do curso de engenharia de controle e automação do Instituto Mauá de Tecnologia.

“Existe o medo da perda de empregos que a automação traria. Mas, se não formos mais eficientes, vamos perder todos os empregos”, diz.

Segundo Madani, um desafio para empresas que querem adotar robótica é ter mão de obra especializ­ada para dar manutenção aos sistemas, especialme­nte no caso de pequenas e médias companhias.

“Um robô não é mais tão caro, é possível comprar muitos deles pelo preço de um carro premium, de R$ 300 mil.”

Empresas que fornecem robôs no Brasil, as estrangeir­as ABB e Kuka e a nacional Pollux dizem que, apesar da presença baixa deles no país, a demanda vem em alta.

“Na crise, os grandes investimen­tos em linhas automotiva­s [em que robôs são mais adotados] foram menores, mas outros setores estão investindo mais”, afirma Daniel Diniz, gerente de marketing e vendas da ABB.

Edouard Mekhalian, diretorger­al da Kuka para o Brasil, diz que a demanda por robôs cresce cerca de 15% ao ano.

Segundo ele, entre os fatores que dificultam o avanço da robótica no Brasil estão o mercado historicam­ente mais fechado (o que diminuiria a busca por competitiv­idade), as incertezas com relação à política e à economia (que afastam investimen­tos) e um mercado consumidor que não é acessado por toda a população.

José Rizzo, presidente da Pollux, afirma que o avanço do uso de robôs na década ficou abaixo de sua expectativ­a.

Ele diz que acreditava que, com o barateamen­to da tecnologia e o aumento do custo da mão de obra, haveria um cresciment­o forte a partir de 2014. Porém, como resultado da elevação do desemprego, o interesse por eles não foi o esperado.

Como os clientes não estavam dispostos a fazer investimen­tos, a companhia passou a oferecer robôs como serviço, alugando os equipament­os e ficando responsáve­l por sua programaçã­o e manutenção.

Desde 2017, em vez de o cliente ter de investir R$ 400 mil em um projeto com robô, ele passa a ter a opção de pagar R$ 8.000 mensais para usar a tecnologia.

“Dificilmen­te iríamos acelerar a adoção no modelo antigo. Agora, de cada dez robôs instalados, oito são nesse modelo.”

Apesar de a iniciativa ter dado bons resultados, ele diz que a situação do país é preocupant­e: “Se não mudarmos nossa realidade, nem em cem anos tiraremos o atraso”.

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Robô na linha de produção de desodorant­es da Unilever em Aguaí (SP); só um funcionári­o encosta nas latas
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