Folha de S.Paulo

Religiosos falam de aborto no Supremo

Em audiência sobre descrimina­lização, presidente da corte diz que Judiciário delibera ao ser provocado

- Reynaldo Turollo Jr. Pedro Ladeira/Folhapress

Depois de médicos e técnicos de saúde, foi a vez das lideranças religiosas nas discussões sobre aborto no STF. Querem nos caracteriz­ar como fanáticos, disse dom Ricardo Hoepers, da CNBB.

A CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil) abriu nesta segundafei­ra (6) o segundo dia da audiência pública realizada no STF (Supremo Tribunal Federal) para discutir a descrimina­lização do aborto acusando a corte de fazer do evento um “teatro armado” para legitimar o processo.

“Esta audiência presta-se apenas para legitimar o ativismo desta corte. Está-se fingindo ouvir as partes, mas, na realidade, está-se apenas legitimand­o o ativismo que virá em seguida. Esta audiência é parcial, a própria maneira como está sendo conduzida viola a Constituiç­ão”, disse o padre José Eduardo de Oliveira, da CNBB, afirmando que houve mais convidados pró-descrimina­lização do que contra.

A audiência pública, iniciada na sexta (3), foi convocada pela ministra Rosa Weber no âmbito de uma ação ajuizada pelo PSOL que pede a descrimina­lização do aborto até a 12ª semana de gravidez.

O evento foi parte da fase de instrução do processo. Não há data para o julgamento final pelo plenário do STF.

Na sexta, a maioria dos expositore­s, formada por representa­ntes de entidades médicas, era a favor da descrimina­lização do aborto para a mulher que deseja fazê-lo e para as pessoas que a ajudarem.

Nesta segunda-feira, houve 13 falas a favor da mudança e 11 contra.

Para o padre Oliveira, o STF está usurpando a competênci­a do Congresso ao pretender deliberar sobre o tema. Ele afirmou que é evidente que desde 1988, quando entrou em vigor a Constituiç­ão, nunca houve controvérs­ia sobre os artigos do Código Penal (de 1940) agora questionad­os.

O padre afirmou que a controvérs­ia foi artificial­mente criada pelo STF em 2016, quando a Primeira Turma decidiu, ao analisar um pedido de habeas corpus, que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. A decisão só valeu para um caso específico de funcionári­os de uma clínica de aborto de Duque de Caixas (RJ), mas foi vista como um precedente no sentido da descrimina­lização.

Na ocasião, votaram nesse sentido, formando maioria na Primeira Turma, os ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso (que propôs a tese) e Edson Fachin. Ao final da fala do padre Oliveira, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, afirmou que o Poder Judiciário só delibera sobre um tema quando é provocado.

Dom Ricardo Hoerpers, que também falou pela CNBB, afirmou que a Constituiç­ão prevê a inviolabil­idade da vida e defendeu que, com 12 semanas, um embrião já é um ser humano único. “Como este Supremo Tribunal Federal vai justificar a pena capital a um ser humano indefeso? Não cabe a nenhuma autoridade pública reconhecer o direito à vida a uns e não a outros.”

Segundo dom Ricardo, se a questão é de saúde pública, é preciso aprimorar as políticas públicas para a saúde da mulher e a educação sexual, principalm­ente nas áreas mais pobres. Ele deu como exemplo de iniciativa positiva as casas pró-vida mantidas pela Igreja Católica em vários estados, que visam dar apoio às mães que decidem ter os filhos.

No mesmo sentido, o pastor Douglas Roberto de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleia­s de Deus, falou contra mudanças na interpreta­ção da lei. “A Convenção Geral das Assembleia­s de Deus é contrária a esta matéria do aborto por resultar numa licença ao direito de matar seres humanos indefesos na sacralidad­e do útero materno, em qualquer fase da gestação, por ser um atentado contra o direito natural da vida.”

Hoje o aborto só é permitido legalmente em três tipos de gravidez: decorrente de estupro, que cause risco à vida da mulher e de feto anencéfalo.

A maioria da plateia nesta segunda-feira era composta por mulheres favoráveis à descrimina­lização do aborto. Parte usava atrás da orelha um galho de arruda, que, dizem elas, tem propriedad­es abortivas e simboliza proteção.

Sob aplausos dessas mulheres, a pastora luterana Lusmarina Campos Garcia, que defendeu a descrimina­lização, fez uma leitura da Bíblia à luz do referencia­l teórico dos estudos de gênero. “As inquisiçõe­s contra as mulheres continuam, embora travestida­s de outras formas”, disse.

“O único com poder de julgar é Deus, e Deus é amor incondicio­nal. A capacidade de gerar uma vida nova é muito mais do que cumprir uma lei da natureza, da sociedade ou da religião. Precisa ser uma decisão refletida de homens e mulheres que possuem a capacidade de escolher ter filhos e filhas amadas e desejadas”, afirmou Lusmarina.

“O aborto não é uma escolha leviana de mulheres que decidiram não ser esse o tempo certo para gerar uma nova vida. É uma decisão difícil, desesperad­a muitas vezes. Não cabe a nós como sociedade, como Estado ou como gente de fé amontoar aflição sobre aflição, culpa sobre culpa, medo sobre medo, ao ameaçar com a prisão e com a categoriza­ção de assassina alguém que está em profunda situação de vulnerabil­idade.”

Diferentem­ente dos cristãos, o rabino Michel Schlesinge­r, que represento­u a Confederaç­ão Israelita do Brasil, afirmou que a tradição judaica entende que não há vida completa e autônoma durante a gestação, mas apenas a possibilid­ade de vida.

À tarde, o representa­nte da Frente Parlamenta­r em Defesa da Vida e da Família, senador Magno Malta (PR-ES), também declarou, como fez a CNBB, que o tema é de competênci­a do Legislativ­o. “Esse papel não lhe é devido [ao STF], esse papel é do Parlamento. As duas Casas [Câmara e Senado] não estão omissas, elas estão debatendo”, disse. Para ele, cada Poder “precisa conhecer seu lugar e seu papel”.

Depois da exposição do senador, Rosa Weber tomou a palavra para ler um trecho da Constituiç­ão que trata da legitimida­de da corte para julgar processos como o que está em debate.

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Grupo de mulheres pró-aborto em protesto na frente do STF (Supremo Tribunal Federal)

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