Folha de S.Paulo

A volta do Liceu

Espaço ressurge na cena cultural de São Paulo quatro anos após incêndio

- Gabriela Longman

são paulo Encravado entre as avenidas Tiradentes e do Estado, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo divide vizinhança com a Pinacoteca, os camburões do Quartel da Luz e as noivas da rua São Caetano. Em 2014, um incêndio destruiu o galpão centenário que abrigava o centro cultural da instituiçã­o e a maior parte do acervo de móveis, objetos e obras ali armazenado­s.

Com a reabertura ao público marcada para este sábado (11), o espaço sai das cinzas de volta à vida cultural da cidade com a exposição permanente “História e Memória”, sobre o próprio Liceu, e uma mostra temporária de design brasileiro e sustentabi­lidade. A entrada é gratuita.

“O centro cultural se prestará às atividades da própria escola e exposições e eventos sociais que podem nos ajudar a gerar receita”, diz Livio de Vivo, advogado e há 12 anos presidente do Conselho Diretor do Liceu de Artes e Ofícios.

Do conselho voluntário faz parte também o arquiteto Ricardo Julião, cujo escritório cedeu o projeto de restauro e de reconstruç­ão do galpão.

Para a área externa, uma fachada em chapa metálica com floreiras foi pensada para interligar horizontal­mente um antigo pórtico (também restaurado) e a nova entrada.

Do lado de dentro, o porão que funcionava como depósito foi aberto e integrado, formando o espaço expositivo com pé-direito de 11 metros.

Toda a arquitetur­a do local foi pensada a partir da conjugação de elementos originais, como os tijolos que revestem os pilares, e a roupagem contemporâ­nea.

“É um galpão industrial com uma história curiosa. A Alemanha participou de uma feira na virada do século e importou uma grande estrutura metálica. O Kaiser, ao invés de mandá-la de volta depois do evento, a doou ao Liceu”, conta o arquiteto Ricardo Julião.

Segundo ele, houve uma avaliação de que a estrutura teria de ser preservada, apesar de ter perdido sua capacidade de suportar o prédio.

Para isso, segundo ele, as peças foram desmontada­s, numeradas e depois recolocada­s em caráter decorativo.

No piso inferior, “História e Memória” revive a trajetória do Liceu e sua contribuiç­ão para a cidade: fundado em 1873 por um grupo de aristocrat­as da elite cafeeira, o Liceu se transformo­u em referência pelas oficinas de marcenaria, serralheri­a e desenho.

Atualmente, a instituiçã­o forma técnicos em eletrônica, automação, edificaçõe­s e multimídia, além de ser uma escola de ensino médio com forte vertente filantrópi­ca e 600 alunos.

“Fizemos um levantamen­to de toda a documentaç­ão e escaneamos mais de 3.000 fotos. Constatei que a gente tinha memórias de excelência, esparsas e sem data, e resolvi fazer a exposição em linha do tempo, com uma área dedicada às relações entre o Liceu e São Paulo”, diz Denise Mattar, curadora da mostra.

Das oficinas do Liceu, saíram por exemplo, as poltronas do Theatro Municipal, os portais em madeira da Catedral da Sé e as esquadrias metálicas do Masp.

Na exposição, uma imagem ampliada deflagra uma centena de operários aglomerado­s dentro da base da estátua equestre de Duque de Caxias, concebida por Brecheret e hoje na praça Princesa Isabel.

“Era uma indústria escola. Os alunos aprendiam aqui e ficavam, trabalhand­o com uma qualidade impression­ante”, complement­a a curadora.

Enquanto uma exposição recupera o passado, a segunda mostra “Design Brasil Séc. XXI” (curadoria Fernanda Sarmento, primeiro piso) apresenta uma coleção de 50 móveis e objetos brasileiro­s que têm a sustentabi­lidade como parâmetro: usam materiais que reduzem o impacto ambiental e trabalham com inclusão social.

Expostos lado a lado, trabalhos de designers consagrado­s (Irmãos Campana, Zanini de Zanine, Marcelo Rosenbaum) dividem espaço com projetos inovadores de jovens, alguns recém-saídos da universida­de.

Uma programaçã­o de palestras a ser realizada em setembro traça vínculos entre design e tecnologia.

Associação sem fins lucrativos, a escola e o centro cultural são mantidos com os recursos da indústria Liceu de Artes e Ofícios, fabricante de hidrômetro­s e medidores de água desde os anos 1930.

Parte dos terrenos que ocupa pertencem ao Governo do Estado de São Paulo cedidos em regime de comodato.

A instituiçã­o não divulga custo da recuperaçã­o, orçamento para o novo centro cultural nem montante recebido pelo seguro contra incêndio.

Também não são claros os eixos que orientarão a programaçã­o no futuro —“Aquilo que o pessoal da área nos recomendar e aquilo que o clima artístico da cidade exigir”, diz o presidente do conselho. Segundo ele, todas as atividades terão envolvimen­to de professore­s e alunos do Liceu.

O fogo no Liceu destruiu especialme­nte réplicas em gesso de esculturas clássicas, trazidas da Europa na virada do século e expostas no antigo Centro Cultural entre 1980 e 2014.

Sem grande valor artístico, as peças tinham uso didático e das 28 existentes pelo menos 10 puderam ser restaurada­s.

“Foi um trauma em muitos sentidos”, lembra o presidente do conselho.

O prejuízo faz lembrar outros incêndios em equipament­os culturais: Teatro Cultura Artística (2008), Auditório do Memorial da América Latina (2013) e Museu da Língua Portuguesa (2015), este último com reinaugura­ção prevista para o ano que vem.

Passados 20 anos da abertura da Sala São Paulo, ao lado da Estação da Luz, as promessas de revitaliza­ção da região pela multiplica­ção de equipament­os culturais parecem ter ficado a mercê.

Inseguranç­a, sujeira e o malestar social da cracolândi­a são alguns dos problemas complexos que a proliferaç­ão de exposições e atividades não bastou para resolver.

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 ?? Lima - 4.fev.14/Brazil Photo Press/Folhapress Fotos Zanone Fraissat/Folhapress; Reginaldo Castro - 4.fev.14; Adriano ?? 1 Galpão onde estão expostas várias das obras e réplicas do Liceu de Artes e Ofícios, no centro de São Paulo; 2 Funcionári­a da instituiçã­o limpa prédio antes da reabertura, após três anos de trabalhos de restauraçã­o; 3 Em 2014, um incêndio causado por um curto circuito destruiu o acervo do centro cultural; 4 Detalhe de uma das réplicas de obras de arte que fazem parte do acervo marcada pelas chamas
Lima - 4.fev.14/Brazil Photo Press/Folhapress Fotos Zanone Fraissat/Folhapress; Reginaldo Castro - 4.fev.14; Adriano 1 Galpão onde estão expostas várias das obras e réplicas do Liceu de Artes e Ofícios, no centro de São Paulo; 2 Funcionári­a da instituiçã­o limpa prédio antes da reabertura, após três anos de trabalhos de restauraçã­o; 3 Em 2014, um incêndio causado por um curto circuito destruiu o acervo do centro cultural; 4 Detalhe de uma das réplicas de obras de arte que fazem parte do acervo marcada pelas chamas
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