Folha de S.Paulo

Mais na urna que nas ruas

- Nabil Bonduki Professor da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP, foi vereador de São Paulo pelo PT. Escreve às terças

Quem acompanha a trajetória do PT desde 1980 sabe que ele é, fundamenta­lmente, um partido eleitoral e institucio­nal. Por isso, é lógica e previsível a demorada decisão que selou a chapa Lula-Haddad e Manuela.

O PT nasceu nas lutas sociais, mas cresceu graças às eleições e a governos bem-sucedidos. Em 1982, elegeu oito deputados, em três estados. Em 1986, saltou para 16. Em 1994, já alcançou 50. Em 2002, na eleição de Lula, atingiu 91 deputados, em todos os estados.

Para o Executivo, em 1982, conquistou só Diadema. Em 1988, venceu em dezenas de cidades, como São Paulo, onde gestões bem avaliadas revelaram que podia ir além da oposição, governando com inovação e responsabi­lidade. Em 1994, elegeu o primeiro governador. Só parou de crescer em 2016.

Apoiado no início pelos movimentos sindical e popular, por organizaçõ­es de esquerda e pela classe média progressis­ta, o PT teve a sua expansão garantida pelas urnas.

No governo federal, Lula implantou políticas inclusivas, sem confrontar o capital e as elites, dando origem ao que André Singer chamou de lulismo. Com essa estratégia, consolidou-se junto às camadas mais pobres e isoladas.

Com o gradativo declínio dos sindicatos e movimentos populares, foi a força eleitoral do PT, baseada em setores populares dispersos e não organizado­s, que o manteve em primeiro plano no cenário político. Mas não conseguiu evitar o afastament­o de Dilma.

Para Singer, “como o lulismo é um modelo de mudança dentro da ordem, até com um reforço da ordem, ele não é e não pode ser mobilizado­r. Isso faz com que o conflito não tenha uma expressão política partidária, eleitoral, institucio­nal”.

Isso explica a dificuldad­e de mobilizaçã­o do partido na difícil conjuntura pós-2014, quando teve que apelar ao MTST de Guilherme Boulos, um crítico da estratégia de conciliaçã­o lulista, para garantir uma presença minimament­e expressiva nas ruas de São Paulo.

A estratégia de confronto que vinha sendo defendida pelo PT nessas eleições exigia uma capacidade de mobilizaçã­o que ele já não tinha. Assim como era incompatív­el com sua sobrevivên­cia eleitoral, lógica que levou o PT a repetir alianças com políticos “golpistas”, sacrifican­do seus próprios quadros.

Incapaz de dar uma guinada de 180 graus na sua trajetória, não restava alternativ­a ao PT senão participar das eleições mesmo se a candidatur­a de Lula, potencialm­ente vencedora, vier a ser impedida.

A força de Lula está mais nas urnas do que nas ruas. Se transferir parte desse potencial, o resultado das últimas quatro disputas poderá se repetir, ainda mais porque Haddad tem luz própria, experiênci­a e capacidade para propor um novo projeto para o Brasil.

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