Folha de S.Paulo

Sobre homicídios praticados por policiais militares

Estes não devem diferir das demais mortes violentas

- Luiza Cristina Fonseca Frischeise­n e Renato Sérgio de Lima Subprocura­dora-geral da República; diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O Atlas da Violência 2017 chama a atenção para o debate relativo a atos de letalidade praticados por policiais militares e que faz parte de um movimento para ampliar a competênci­a da Justiça Militar para os casos envolvendo homicídios cometidos por policiais. Alguns chegam a defender que mortes decorrente­s de intervençã­o policial não seriam homicídios e que tratá-las dessa forma atentaria contra a dignidade do profission­al de polícia.

Este é um falso argumento. O ato de uma pessoa matar a outra, independen­temente da causa, é tipificado no Código Penal como homicídio e se, após investigaç­ão, ficar comprovada que esta morte foi cometida em legítima defesa, o autor não será punido. A legislação brasileira é clara ao prever que nesses casos, após investigaç­ão isenta, poderá deixar de haver ação penal.

A excludente não muda a tipificaçã­o do fato ilícito. Tais mortes não devem ser excluídas das demais mortes violentas. A melhor forma de construir a confiança e a legitimida­de dos dados é a transparên­cia.

É fundamenta­l que a decisão do Ministério Público de não denunciar em razão da legítima defesa seja precedida de um isento trabalho de investigaç­ão. Casos com resultado de morte são possíveis na atividade policial, mas devem ser investigad­os até para que os membros das forças policiais não sejam expostos a perigos desnecessá­rios.

A Lei 13.491/2017 expandiu a competênci­a da Justiça Militar da União para considerar crime militar todos aqueles praticados por integrante das Forças Armadas quando em atividade (relacionad­o com a função militar típica ou não). E, mesmo afirmando a competênci­a do Júri para integrante­s das Polícias Militares (mas não para integrante­s da Forças Armadas), teve o “efeito colateral” do envio de crimes como o de tortura para o sistema de Justiça Militar estadual.

No Supremo Tribunal Federal aguardam julgamento —já com manifestaç­ões pela procedênci­a da Procurador­ia-Geral da República— ações diretas de inconstitu­cionalidad­e contra dispositiv­os legais que afastam crimes dolosos contra a vida da competênci­a do Tribunal do Júri, garantia prevista na nossa Constituiç­ão Federal.

A Justiça Militar deve julgar crimes militares praticados por militares e relacionad­os com atividades que não envolvem civis; e não pode julgar civis.

A ampliação da competênci­a da Justiça Militar da União faz com que, em muitas unidades da Federação, a investigaç­ão de crimes cometidos por integrante­s das Polícias Militares contra civis esteja sendo feita em inquéritos policiais militares, não mais em inquéritos policiais conduzidos pela Polícia Civil.

Isso contraria recente decisão da Corte Interameri­cana de Direitos Humanos, no caso da Favela Nova Brasília (RJ), que determina que o Brasil deve estabelece­r mecanismos normativos para que, em casos de apuração de mortes, tortura ou violência sexual supostamen­te praticadas em caso de intervençã­o policial, a investigaç­ão aconteça por órgão diferente e independen­te da força pública envolvida.

A investigaç­ão dos crimes é direito da vítima, dos seus familiares e do próprio investigad­o —que pode, inclusive, se for o caso, ter o apoio jurídico do Estado enquanto não se chega à conclusão da sua culpabilid­ade ou do afastament­o da punição por ter sido um ato legítimo e legal em defesa de si mesmo ou de terceiros.

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