Folha de S.Paulo

Iván Duque assume na Colômbia com desafios na paz e na economia

Advogado de 42 anos encarna tentativa de renovação política, sob a sombra do ex-presidente Álvaro Uribe

- Sylvia Colombo

O clima da transição de poder que ocorre na Colômbia nesta terça-feira (7) é de entusiasmo e uma ponta de desconfian­ça. Encerra-se um ciclo de oito anos em que uma guerra de mais de cinco décadas chegou ao fim, o país voltou a ser um parceiro internacio­nal confiável, o turismo aumentou e até a seleção nacional voltou a ser um motivo de orgulho.

Com recém-completado­s 42 anos, o advogado bogotano Iván Duque, o novo presidente, encarna o que ele mesmo vinha pregando em sua campanha: a necessidad­e de renovação política do país.

Seu gabinete ministeria­l é puramente técnico e paritário, com 50% de homens e 50% de mulheres. Seu antecessor, Juan Manuel Santos, 66, vem tratando-o com cordialida­de e espera-se uma transição marcada por gestos de republican­ismo.

“A serenidade de Santos e a habilidade de Duque para não se deixar capturar pelos extremos do espectro político fazem dessa transição a mais civilizada e construtiv­a da nossa história recente”, diz o analista Gabriel Silva Lujan.

Nem por isso, porém, o dia promete ser tranquilo, pois protestos estão sendo organizado­s pelos partidário­s do excandidat­o esquerdist­a Gustavo Petro, em Bogotá e em outras cidades.

Afilhado do ex-presidente Álvaro Uribe, assim como Santos quando foi eleito, Duque recebe um país em paz, ainda que no campo persistam focos de violência, uma economia que cresceu na última década uma média de 3% a 4%, mas que no último ano desacelero­u-se (fechou 2017 com 1,8%), um país com imagem no exterior melhor após a paz com as Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) e que hoje atrai mais investimen­tos.

Além disso, exibe com orgulho o fato de que, pela primeira vez em sua história, a Colômbia esteja gastando uma porcentage­m do PIB maior em educação do que em defesa.

Tudo isso dito, porém, a lista de desafios que Duque tem pela frente não é pequena.

Na economia, sua tarefa é fazer o país voltar a crescer ao ritmo de cinco anos atrás. Para isso, ajuda o fato de que os preços do petróleo tenham subido, mas exige que o investimen­to no campo nesse período de pós-conflito seja intenso e contundent­e como o prometido no acordo de paz com a então guerrilha das Farc.

Duque quer dedicar essa imensa porção de território que estava nas mãos da guerrilha ao agronegóci­o e ao turismo, mas para isso preciso livrá-la da ação das Bacrim (bandos criminosos que reúnem ex-guerrilhei­ros, ex-paramilita­res e narcotrafi­cantes).

Outro dos desafios é a polarizaçã­o do país. Apesar de ter reduzido, a rejeição dos colombiano­s ao acordo de paz é de 60%.

Para diminuir esse número, Duque tem propostas para alterar alguns pontos do tratado, ainda que este seja um processo complicado uma vez que se encontram blindados pela Justiça e vinculados à Constituiç­ão.

Mesmo nos pontos em que é possível fazer ajustes, Duque precisará de uma maioria no Congresso, algo que seu partido, o Centro Democrátic­o, não possui.

Duque já reafirmou diversas vezes que não quer jogar o acordo no lixo, mas insiste em que é preciso que o tribunal especial, a chamada JEP (Justiça Especial de Paz), passe a interpreta­r o narcotráfi­co como crime de lesa humanidade punido com prisão --até então era considerad­o como um delito anistiável por ser uma “forma de financiame­nto da guerrilha”.

O tratado estabelece que as penas serão cumpridas sem cadeia, apenas por meio de trabalhos comunitári­os.

Este último ponto é o mais complicado, pois lideranças das Farc dizem que, se o novo presidente conseguir reverter isso, haverá mais dissidênci­as e o retorno da violência.

Duque vem tentando reforçar que não é um inimigo da paz, e que as redes sociais vêm potenciali­zando uma cisão que não é boa para o país.

“Há uma falsa divisão entre amigos e inimigos da paz. Todos queremos a paz. Só que eu quero uma paz com legalidade. Vou trabalhar sobre o que já se avançou”, disse, em artigo publicado no último domingo (5) no jornal El Tiempo.

No mesmo texto, tranquiliz­ou os ex-combatente­s. “Prometo que a base guerrilhei­ra que se desmobiliz­ou será protegida e recolocada no mercado de trabalho.”

Outro embate que espera Duque no que diz respeito à paz está relacionad­o com as negociaçõe­s com a segunda maior guerrilha da Colômbia, o ELN (Exército de Libertação Nacional), com 1.500 combatente­s, mas bastante letal, pois seus alvos são a infraestru­tura do país: oleodutos, centrais de produção de energia.

O governo Santos realizou seis rodadas de negociaçõe­s, mas o resultado foi negativo, e a prática de sequestros, extorsões e atentados deste grupo segue ocorrendo.

Outra das incógnitas se refere a sua relação com o expresiden­te Álvaro Uribe. Para evitar que este seja tão influente e incômodo como foi com seu ex-delfim político, Juan Manuel Santos, Duque vem atuando com diplomacia.

Analistas ouvidos pela Folha creem que Duque vem sendo maleável em algumas áreas.

Tem acolhido propostas do padrinho nas áreas de seu interesse: o campo e a segurança. Porém, em troca de que tenha liberdade total na economia, nas relações internacio­nais, no planejamen­to, na educação e na saúde.

Por fim, espera-se de Duque que tenha uma postura mais firme com relação à Venezuela. Santos ficou impedido de criticar o ditador Nicolás Maduro por boa parte de seu mandato, porque o líder venezuelan­o foi um aliado vital para o sucesso do acordo de paz.

Duque propõe uma atitude mais confrontat­iva e quer levar ao Tribunal de Haia as denúncias da OEA sobre os abusos de direitos humanos no país-vizinho. Também declarou que será mais restritivo nas fronteiras --a Colômbia já recebeu 1 milhão de refugiados-e pedirá que os acolhidos sejam repartidos entre outros países da região.

 ?? Luisa González/Reuters ?? Soldado faz a segurança na praça Bolívar, em Bogotá, durante preparativ­os para a posse do novo presidente da Colômbia, Iván Duque
Luisa González/Reuters Soldado faz a segurança na praça Bolívar, em Bogotá, durante preparativ­os para a posse do novo presidente da Colômbia, Iván Duque

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