Folha de S.Paulo

Argentinas usam hashtag para falar de aborto

- Flávia Mantovani

“Tinha 19 anos e uma relação complicada. Fiquei grávida e sem trabalhoao mesmo tempo. Minha sogra pagou pelo aborto. Saí viva, mas depois tive de ir ao pronto-socorro com complicaçõ­es. Jamais vou esquecer os maus tratos que sofri.”

Depoimento­s como este foram publicados no Twitter com a hashtag #YoAborte (eu abortei), criada na Argentina para reunir histórias de mulheres que realizaram aborto e, assim, fazer pressão para a votação da lei que descrimina­liza a prática no país. Aprovado na Câmara, o projeto passa pelo Senado na quarta (8).

Postada pela primeira vez no domingo à noite (5), a hashtag viralizou e ficou entre os Trending Topics da rede social na Argentina e no mundo.

Há depoimento­s publicados sob pseudônimo e outros em que as mulheres revelam o no- me, caso da atriz Verónica Llinás. “Eu abortei e fiquei grávida usando DIU. Não venham me dizer que só é preciso se cuidar”, escreveu.

A ativista Maria Florencia Freijo, idealizado­ra da hashtag, conta que a ideia foi romper o estigma recorrendo às redes sociais, que têm sido estratégic­as nas campanhas pelo aborto. “Foi uma espécie de catarse coletiva que mostra que as mulheres na Argentina abortam, sim”, disse à Folha. “São mulheres católicas, casadas, com filhos. E o pior: estamos obrigando crianças e adolescent­es a serem mães. Isso é terrível.”

Ela própria contou uma história pessoal relacionad­a ao tema: quando tinha 16 anos, foi levada pelo namorado a um templo religioso para abortar clandestin­amente.

Algumas pessoas postaram histórias que acontecera­m com amigas ou familiares: “Minha avó me contou que, quando ela ficou grávida do seu primeiro filho, sua mãe também engravidou. Como tinha vergonha (criada pelo marido) de ter um filho da mesma idade que o de sua filha, foi abortar e não voltou mais. Nunca conheceu seu neto”, diz um dos tuítes.

Outra internauta compartilh­ou uma mensagem de sua mãe relatando que abortou após engravidar de um companheir­o que a agredia. Uma terceira escreveu a história de uma amiga que foi ao hospital com um sangrament­o e teve de sair sem ser atendida sob a ameaça de ser denunciada.

Mulheres de países como Equador, Uruguai e Peru também publicaram depoimento­s usando a hashtag.

O aborto é permitido na Argentina em caso de estupro ou de risco de morte da mãe. O projeto aprovado na Câmara propõe permitir a interrupçã­o da gravidez até a 14ª semana por decisão da mulher.

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Arquivo pessoal Florencia Freijo, ativista pró-aborto

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