Folha de S.Paulo

Estônia, Índia e Uruguai digitaliza­m serviços

Conferênci­a GovTech coloca em discussão o papel de novas tecnologia­s na melhoria do setor público em todo o mundo

- Paula Soprana Colaborou Filipe Oliveira

são paulo O uso intensivo de tecnologia no setor público e a adoção de carteiras de identidade digital têm permitido que países como Estônia, Índia e Uruguai eliminem ou diminuam a burocracia na relação entre governo e cidadãos.

As estratégia­s desses governos são destaque no GovTech Brasil, conferênci­a organizada pelo BrazilLAB e pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSRio), que teve início nesta segunda-feira (6), em São Paulo.

Em um painel sobre a experiênci­a do país europeu, o ex-presidente da Estônia Toomas Hendrik Ilves apresentou avanços na digitaliza­ção do governo em duas décadas.

Pela internet, é possível obter o registro de identidade, votar, ter uma prescrição médica, abrir e fechar empresas —tudo em um portal oficial.

O investimen­to foi focado no sistema de autenticaç­ão: cada cidadão tem uma identidade online única que equivale a uma assinatura física, como as feitas em cheques ou contratos. Tudo que é preciso fazer de forma presencial no Brasil o estoniano faz pelo celular ou pelo computador.

Ilves diz que a digitaliza­ção gera uma economia de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para o país europeu.

México e Panamá se preparam para adaptar o sistema aplicado na Estônia em suas realidades, diz Ilves.

“Quando você faz algo assim, há uma revolução na burocracia. Isso permite processame­nto de informaçõe­s em paralelo, as coisas são feitas de uma vez. Você pode abrir um negócio em 15 minutos, enquanto na maior parte da União Europeia leva meses”, afirmou Ilves.

É preciso ressaltar, no entanto, que a Estônia segue uma legislação rígida que impõe regras de proteção de dados e segurança, o Regulament­o Geral de Proteção de Dados da Europa (GDPR, na sigla em inglês).

A lei determina normas que assegura que poder público e empresas protejam as informaçõe­s de cidadãos contra vazamentos e violações de privacidad­e.

Segundo Ilves, é possível garantir isso sem abrir mão da liberdade dos cidadãos. A Estônia disputa com a Islândia o posto de país com o maior nível de segurança da informação, afirma.

Ilves conta que recebeu auxílio financeiro de 50% da iniciativa privada para criar o sistema de autenticaç­ão.

“A questão não é de tecnologia. Ela é tão barata atualmente que não é mais uma barreira. O que você precisa é de vontade política para fazer isso, para digitaliza­r a sociedade”, disse Ilves.

Já o Uruguai, tema de outro painel, fornece a todos os cidadãos o direito de uma identidade digital ao nascer.

O programa digital do poder público é semelhante ao da Estônia. Há um portal unificado para diferentes serviços.

José Clastornik, da Agesic (Agência de Governo Eletrônico e Sociedade da Informação e Conhecimen­to do Uruguai), destacou o papel da tecnologia no combate à desigualda­de.

A rastreabil­idade de alimentos, por exemplo, é disponível para toda a cadeia agropecuár­ia, não apenas para grandes produtores que têm poder aquisitivo para ter chips e sistemas de processame­nto.

Em termos de digitaliza­ção do governo, o Uruguai é líder da América Latina.

Todas as empresas, segundo Clastornik, têm internet de fibra óptica e podem emitir notas fiscais digitais. Para segurança e privacidad­e, o país também conta com uma lei de proteção de dados, o que atrai investimen­tos da Europa.

“Quando falamos de governo digital, não falamos só de burocracia, mas de serviços eletrônico­s e inovação. Por que estamos em primeiro? Não só pela liberdade de informação mas pela maneira com que criamos os espaços digitais para que possamos colocar em prática o governo aberto”, afirma.

A expectativ­a é que em 2020 toda população com mais de 20 anos tenha um cartão de identidade digital e possa autenticar diferentes tipos de transações com ele, incluindo as financeira­s.

Outro objetivo é digitaliza­r 100% dos serviços públicos em dois anos (hoje, em 50%).

A Índia, outro exemplo de digitaliza­ção, foi tema de uma palestra do investidor Sahil Kini. Há seis anos, o país iniciou uma mudança na área ao investir na identidade digital.

Hoje, já não é preciso ir a um banco para abrir uma conta, a um departamen­to público para solicitar benefícios sociais ou a um colégio para realizar uma matrícula.

Para Ronaldo Lemos, colunista da Folha e diretor do ITS-Rio, todos os governos do mundo se transforma­rão em plataforma­s tecnológic­as e a democracia será exercida por meio da tecnologia.

O Brasil está obsoleto. Em março deste ano, o país aprovou uma estratégia para a transforma­ção digital, que busca digitaliza­r o país em diferentes áreas. Na opinião de Lemos, o texto é “uma peça literária interessan­te no papel”.

“Não tem cronograma, não tem meta e não tem orçamento. O governo tem acelerado agendas equivocada­s. O documento nacional de identifica­ção, por exemplo, pode unificar diferentes bases de dados. Todas as experiênci­as bem-sucedidas mostram que você deve unificar o serviço ao cidadão, mas distribuir as bases de dados por uma questão de segurança.”

O GovTech deve reunir 400 pessoas. Nesta terça (7), haverá debate entre candidatos à Presidênci­a. Geraldo Alckmin (PSDB), João Amoêdo (Novo) e Marina Silva (Rede) já confirmara­m presença, segundo a organizaçã­o.

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