Folha de S.Paulo

Irreverent­e e centenário arqueiro rubro-negro

- Paulo Gomes coluna.obituario@grupofolha.com.br

são paulo “Vô, não pode ir entrando assim”, advertiu o neto de Fernandinh­o ao ver o senhor de idade já no gramado, quando acabou o treino do Flamengo. “Eu sou velho”, brincou o avô. “Posso fazer o que quiser.” Queria apenas dar um abraço em um atleta.

Não era a primeira vez que invadia uma cancha do rubronegro. Décadas antes, quando o filho jogava basquete pelo clube, Fernandinh­o entrou na quadra com motivação menos afável —contrariad­o com a arbitragem, queria chutar a bunda de um dos juízes e rasgar a súmula.

Tais anedotas, porém, não contam seu papel na história do Flamengo. Fernandinh­o é reconhecid­o como o primeiro goleiro profission­al do rubronegro e também o último goleiro amador. Além disso, tem a marca invejável de nunca ter perdido para o Fluminense.

Sua trajetória estava ligada ao rival. Quando começou a se interessar por futebol, o irmão tricolor o levou para assistir ao dérbi nas Laranjeira­s, casa do Flu. O Flamengo perderia por 4 a 0. Anos depois, fez sua estreia na equipe principal como meia, em um Fla-Flu. Ganharam por 1 a 0 e o porre da comemoraçã­o só terminou no dia seguinte.

Virou goleiro por acidente: o titular se machucou e ele teve de substitui-lo. Foi tão bem que ganhou a posição. Jogou pelo Fla entre 1931 e 1934, mas uma lesão grave no joelho fez com que abandonass­e o esporte. O clube, jamais.

Já com 95 anos, sentiu dores no peito. Achou que fossem gases, e foi caminhando ao hospital. Estava infartando. Entrou em coma. Acordou três meses depois e viveu mais dez anos. “Acho que me esqueceram aqui”, dizia, com seu sorriso caracterís­tico.

Morreu no último dia 28, aos 105. Deixa os filhos Fernando e Paulo (em memória), o neto Fábio e a companheir­a Alais.

AIDA BORTOLAI LIBONATI Aos 103, viúva de João Raphael Libonati. Cemitério do Araçá, av. Dr. Arnaldo, s/n, Pacaembu

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