Folha de S.Paulo

Dividido, Senado argentino dá início a decisão sobre aborto

Recuos de última hora, em meio a pressão da igreja e falta de acordo, dão vantagem aos que se opõem à interrupçã­o da gravidez

- Sylvia Colombo Tuane Fernandes/Farpa/ Folhapress

O Senado argentino decidirá entre hoje e a madrugada de amanhã o futuro do projeto de lei de despenaliz­ação do aborto até a 14ª semana. Mas as perspectiv­as de aprovação têm diminuído em meio à pressão da Igreja e à falta de acordo sobre alterações.

O placar atual é de 37 contra, 32 a favor e três indecisos.

O Senado argentino decidirá entre esta quarta-feira (8) e a madrugada de quinta (9) o futuro do projeto de lei de despenaliz­ação do aborto até a 14ª semana.

As perspectiv­as de que a legislação seja aprovada, porém, vêm diminuindo a cada dia. O placar atual é de 37 senadores contra, 32 a favor e apenas três indecisos, de um total de 72 parlamenta­res.

Não houve consenso em admitir mudanças no projeto que fariam com que alguns senadores votassem a favor, como a diminuição de 14 para 12 semanas como teto para a interrupçã­o apenas pela decisão da mãe e a inclusão da objeção de consciênci­a para instituiçõ­es e médicos.

Assim, o texto que se votará será o mesmo que passou na Câmara em julho e que estipula o limite para a interrupçã­o da gravidez em 14 semanas e obriga o sistema estatal de saúde e seus médicos a realizarem o procedimen­to.

Houve ainda grande pressão da Igreja Católica, comandada pelo papa Francisco, e de grupos de médicos contrários ao recurso. A chamada bancada celeste (antiaborto) foi ganhando novos adeptos, em detrimento da bancada verde, dos favoráveis à medida.

“Não há que pensar que uma derrota nesta quarta seja de fato uma derrota. Ninguém tinha a ilusão de que passasse de primeira, talvez demore mais um par de anos, mas o barulho que conseguimo­s fazer, as pessoas que conseguimo­s mobilizar construíra­m um movimento que não tem volta”, diz a escritora Claudia Piñeiro, uma das líderes do movimento a favor da lei.

Grupos feministas de todo o país prometem ir às ruas de qualquer maneira, mesmo com o cenário desfavoráv­el.

A Anistia Internacio­nal fez um apelo aos senadores para que aprovassem a lei, em um comunicado publicado nesta terça (7) em 134 jornais internacio­nais.

O bloco kirchneris­ta, que compõe a maior parte do peronismo no Senado, havia combinado votar a favor. Mas a senadora Silvina Larraburu acabou mudando de ideia porque crê que o presidente Mauricio Macri irá capitaliza­r uma possível vitória. Seus colegas estão fazendo o possível para que mude de ideia.

Pela lei atual, o aborto é possível no país em três situações: risco de vida para a mãe, máformação do feto e estupro, além de prever pena de quatro anos para quem realizá-lo de forma clandestin­a.

Dentro do próprio Executi- vo há divisões. Macri, e a vice, Gabriela Michetti, que presidirá a sessão como chefe do Senado, são contra o recurso. Alguns ministros são a favor, como Adolfo Rubinstein (Saúde), Lino Barañao (Ciência) e Nicolás Dujovne (Fazenda).

“É uma discussão do tipo que causa muito ruído agora, mas que depois que passa, vira um não assunto, como foi o casamento gay e o divórcio”, disse Dujovne à Folha.

Mesmo sendo contra, Macri calculou junto a seus assessores de imagem que dar lugar ao debate seria um gesto aos eleitores de esquerda e centro-esquerda, além de fazê-lo luzir como líder moderno. Macri se compromete­u a não vetar a lei caso seja aprovada pelo Congresso.

A perspectiv­a de uma votação apertada e do crescente voto contra a lei não desanimou as feministas argentinas, que prometem acampar do lado de fora do Congresso durante toda a noite.

“Vamos fazer muito barulho enquanto os senadores estiverem discursand­o”, disseà Folha a líder Virginia Luque, também conhecida como Senhorita Bimbo.

A esperança desses grupos é que os senadores se intimidem diante do tamanho da frustração que encontrarã­o nas ruas quando saírem do recinto, caso vetem a lei.

A sessão começará às 9h30 com os discursos de cada um dos 72 senadores. Tradiciona­lmente, estes costumam tomar várias horas do dia e ir noite adentro. Espera-se que a votação propriamen­te dita se dê na madrugada de quinta.

Na votação na Câmara de Deputados, reuniram-se cerca de 800 mil pessoas do lado de fora do Congresso, segundo a polícia. As líderes feministas agora estimam uma participaç­ão maior, de 2 milhões.

A legislação já foi apresentad­a e recusada no Congresso seis vezes ao longo de onze anos. Nunca, porém, tinha chegado tão longe a ponto de ir a votação.

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Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress Da esq. para a dir., as ativistas do Socorrista­s em Rede Camila Di Leo, Micaela Ruiz e Julia Burton
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Da esq. para a dir., Julia Burton, Camila Di Leo, Nadia Mamani e MicaelaRui­z, ativistas da Rede de Socorrista­s, que ajuda mulheres a fazerem um aborto seguro na Argentina
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