Em protesto contra cortes, cientistas divulgam pesquisas em redes sociais
Pesquisadores tiveram engajamento bastante elevado, segundo análise da FGV, para explicar o que já estudaram com financiamento público
“Eu pesquiso aglomerados de galáxias”, escreveu a astrofísica Stephane Werner, mestranda da USP, no Twitter, “para, no fim, tentar entender como o Universo funciona”. “Eu tento otimizar o tratamento de tuberculose para diminuir os efeitos colaterais”, relatou o graduando de farmácia bioquímica @Araujo_Renan.
Histórias como essa inundaram as redes sociais na última semana, acompanhadas da hashtag #existepesquisanobr. O tema ganhou força após as declarações de Jair Bolsonaro (PSL) no programa Roda Viva, no último dia 30. “Nós somos carentes nessa área, nós não temos pesquisa no Brasil”, disse o presidenciável.
Dois dias depois, o conselho superior da Capes, maior agência de fomento à pós-graduação no país, emitiu uma nota endereçada ao MEC dizendo que, se o orçamento anual viesse como planejado, em agosto de 2019 não haveria mais recursos.
Outra onda de manifestações ganhou as redes sociais com a hashtag #minhapesquisacapes.
Protestos e explicações sobre inúmeras pesquisas desenvolvidas no país ganharam as redes e geraram um engajamento atipicamente elevado para os padrões do Twitter.
A geneticista Mayana Zatz disse que o corte seria “um desastre irreversível”, o neurocientista Miguel Nicolelis chamou de “juízo final da ciência brasileira”, e, para o climatologista Paulo Artaxo, a situação seria “surreal”.
Werner recebe R$ 1.500 mensais da Capes para realizar sua pesquisa. “Temos que nos dedicar em tempo integral, não temos vale-refeição, vale-transporte e não há tempo para trabalhar em paralelo.” Sem o auxílio, ela não teria como terminar o mestrado. “Meus pais não têm como me bancar. Eu teria que largar a carreira científica.”
Marcela Latancia, doutoranda pelo programa de biotecnologia, também da USP, iniciou há dois meses uma pesquisa sobre resistência de tumores à quimioterapia. Ela, que recebe cerca de R$ 2.200 mensais, classificou a notícia como desesperadora. “Pensando como cidadã, é desperdí- ENTENDA A CRISE DA CAPES
Origem
O orçamento da agência vem caindo e perdeu R$ 1 bi de 2017 para 2018, chegando a R$ 3,98 bilhões. O orçamento proposto para
2019 poderia ter mais
12% de déficit
Crise
No último dia 1º, a entidade enviou ao MEC uma nota dizendo que, se houvesse redução no orçamento, compromissos (e cerca de 200 mil bolsas) não poderiam ser honrados a partir de agosto de 2019
Garantia Depois de a discussão ganhar grandes proporções, o presidente Michel Temer afirmou que não deixará faltar recursos cio de investimento público.”
Uma análise da FGV Dapp (Diretoria de Análise de Políticas Públicas) quantificou esse engajamento na rede social. Entre o início da tarde de quinta (2) e o meio-dia de sexta (3), foram 124.300 mensagens sobre o tema no Twitter.
No pico das menções sobre o assunto, foram registrados 213 tuítes por minuto. Para os pesquisadores da FGV, a quantidade é expressiva, sendo comparável à menção de nomes de candidatos à presidência durante a participação em programas de TV.
Com as hashtags, predominou uma visão negativa sobre o futuro científico no Brasil. Uma das várias comparações feitas pelos internautas foi com o auxílio-moradia recebido por magistrados.
Ildeu Moreira, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) afirma que a #existepesquisanobr é um primeiro passo, mas que não pode parar por aí. “Temos uma tradição no Brasil de a comunidade científica ser mais fechada em si mesma, com uma interação pequena com a sociedade. Temos que superar isso.”
Os cientistas muitas vezes não divulgam suas pesquisas com a crença de que não serão compreendidos pela população leiga, de acordo com Carlos Hotta, cientista da USP que estuda o relógio biológico das plantas e que também entrou na #existepesquisanobr.
“O cientista pode educar a população cientificamente ao mesmo tempo em que ele divulga sua pesquisa”, diz Hotta. “No cenário brasileiro, isso é uma obrigação. Um cientista que não faz isso, para mim, é um profissional incompleto.”
As redes sociais podem servir como arma para que a população veja de modo mais transparente para onde vai — pelo menos na ciência— o dinheiro público. Além de, claro, ter contato com um mundo que parece inacessível.
Procurados, o Ministério da Educação e o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão afirmam que a Proposta de Lei Orçamentária ainda pode sofrer alterações. “O Ministério da Educação reafirma que não haverá suspensão do pagamento das bolsas da Capes”, diz, em nota, a pasta.