À sombra da lei, socorristas ajudam argentinas a abortar
Alô?, atende a socorrista. Após alguns segundos de silêncio, as mulheres se justificam: “o preservativo estourou”, “a pílula não funcionou”, “o dispositivo falhou”: “Preciso fazer um aborto”.
Assim se iniciam a maioria das conversas entre mulheres grávidas e as ativistas do grupo Socorristas em Rede.
São feministas que auxiliam mulheres que querem interromper uma gravidez na Argentina, cujo Senado vota nesta quarta (8) a descriminalização do procedimento.
A rede funciona desde 2012 e já ajudou mais de 8.000 mulheres a realizarem um aborto seguro. A ação das socorristas começa após serem acionadas por telefones que são divulgados nas cidades onde atuam.
As mulheres que pedem orientação são encaminhadas a reuniões presenciais, onde encontram outras com intenção de abortar, mulheres que já fizeram abortos e as ativistas.
Nos encontros, recebem informações básicas sobre o uso seguro da medicação abortiva, o remédio misoprostol, também conhecido no Brasil pelo nome comercial de Cytotec. A ingestão do medicamento, considerado seguro pela OMS, ocorre nas próprias casas das mulheres.
Em 2016, 12% das mulheres assistidas precisaram de algum cuidado médico depois de 72 horas de ingestão. Nestes casos, a paciente é encaminhadas a profissionais de saúde “amigáveis”, que, além de prestar o cuidado médico, escutam seus casos.
“Nós, as socorristas, não realizamos abortos. Nós damos informações sobre o uso seguro de medicação para abortar”, diz a ativista Julia Burton.
“Essa informação é pública, está em manuais da OMS, das Federações de Obstetrícia e Ginecologia. É informação certificada por órgãos de saúde certificados. E a informação é um direito humano.”
O acompanhamento das mulheres que realizam o aborto é parte fundamental do ativismo —antes, durante e depois do procedimento.
“O socorrismo se dá em quatro momentos”, explica Nadia Mamani, que faz os acompanhamentos. “O primeiro é o telefonema, em que conversamos com essa mulher, que nos conta de sua decisão. Em geral é uma ligação com muita angústia. Depois nos reunimos com grupos em locais públicos, conversamos sobre seus medos.”
Quando elas adquirem a medicação, a rede acompanha por telefone o processo. “Isso as tranquiliza muito. E entre sete e dez dias depois do processo, realizamos um controle pós-aborto para saber se está tudo bem.”
Desde 2014 o grupo reúne dados sobre os acompanhamentos para pressionar politicamente o debate pela legalização do aborto.
A prática mostra que um aborto na clandestinidade nem sempre é inseguro, já que é exitoso na maioria dos casos.
“Em uma reunião, veio uma mulher de 35 anos que estava angustiada e perguntou à filha de 15 como podia fazer um aborto seguro. Foi a filha que disse ‘ligue para as socorristas’, e ela veio à reunião com a filha”, lembra Nadia.
“Foi muito impactante ver uma menina tão jovem acompanhando sua mãe. Ela fez o aborto em casa, junto da filha que levou biscoitos e doces para que ela se sentisse melhor.”