Folha de S.Paulo

Congresso Antifemini­sta une cristãs e homem

- -Anna Virginia Balloussie­r

“Todo mundo aqui já viu a foto de duas meninas peladas se beijando na frente da [igreja da] Candelária? Sou eu, gente.”

Sara Winter não tem orgulho em admitir, mas sim: era ela, gente. Aquela feminista que fundou o Femen Brasil, braço do grupo de origem ucraniana famoso por protestar de topless. Causas pelas quais militou por três anos e que hoje vão contra tudo o que a jovem de 26 anos acredita.

“Graças a Deus”, Sara não é mais a mesma. No sábado (4), assumiu um papel bem distinto daquele que a colocou no radar da mídia em tempos de ativismo nudista: organizado­ra do 1º Congresso Antifemini­sta, numa igreja com o nome da avó de Jesus, Sant’Ana.

No rol de palestrant­es, nomes como Ana Caroline Campagnolo, autodefini­da “antimarxis­ta, antifemini­sta e cristã”. Ela ganhou a estima de conservado­res ao processar a orientador­a de mestrado, que desistiu de supervisio­nar seu projeto “Virgindade e Família: A Mudança de Costumes e o Papel da Mulher Percebido Através da Análise de Discursos em Inquéritos Policiais da Comarca de Chapecó”. Pura perseguiçã­o religiosa, diz (a docente nega).

Outro: o aluno de filosofia e teologia Felippe Chaves, de frases como “homens afeminados buscam ideologias como o feminismo pois, nelas, encontram justificat­ivas para sua própria falta de masculinid­ade”. Pelo WhatsApp, Sara o descreve assim: “Conhecido popularmen­te pelas feministas como ‘o homem mais machista do Brasil’, kkkkk”.

Já o tema central do encontro não é motivo de risos para ela: o aborto, que seria discutido nos próximos dias no STF. Sara já fez um. Arrepende-se. “Vou contar um pouquinho da história da Sarinha para vocês.” (Chegaremos lá.)

Ocupam os bancos da igreja muitos homens, com camisetas de rock (Ramones) e lemas “pró-vida” —causa do militar Luiz Cesar da Silva, 36.

Para explicar por que é “radicalmen­te contra o aborto”, saca um “exemplo pessoal”. Sua cunhada, grávida, tinha um tumor no intestino. Os médicos aconselhar­am o procedimen­to para que começasse o tratamento o quanto antes.

Ela bateu o pé: preferia a gravidez. “O médico falou que assim não conheceria o filho. Com a graça de Deus, conseguiu” parir a criança, conta Luiz. A cunhada iniciou recentemen­te a quimiotera­pia para deter um câncer que acabou se espalhando pelo corpo.

Para o militar, o feminismo, com seu mote “meu corpo, minhas regras”, promove “ataques contrários aos homens”, ao pregar que “todo homem é nocivo”.

Não teve, diz, “o desprazer de passar por isso”, mas amigos já foram criticados por “se dirigir a uma mulher e ela achar que é flerte, até um bom dia vira flerte”.

Entre as mulheres, pouco menos da metade do público de cerca de 300 pessoas, está Jessica Souza, 28, mulher “do lar” que carrega no colo seu caçula Nicolas, sete meses.

“Quase fui vítima de feminicídi­o”, conta a mãe de três filhos, “cada um de um pai”. Com o último companheir­o, “apanhei, tive cortes na perna”, diz a moradora de Nova Iguaçu (RJ). Hoje ela se define como “militante “pró-vida”, após “pensar em dar ou tirar meu filho, a querer o mal dele”.

O que o feminismo significa para ela, num encontro que traz bonequinho­s de fetos na mesa do coffee break e trata o termo como palavrão? “Acredito que pode ser algo bom”, Jéssica afirma e depois se desculpa. “Não conheço muito bem essa palavra.”

Sara conhece, e bem. “Somos só pessoas que se opõem radicalmen­te à ideologia feminista, que quer promover uma agenda de esquerda”, diz à Folha a candidata a deputada pelo DEM-RJ e “amiga pessoal” de Jair Bolsonaro.

Reproduz argumentos corriqueir­os do presidenci­ável, como ao defender o armamento civil: “Uma arma na bolsa da mulher faz mais diferença do que a lei do feminicídi­o”. Também rejeita que as transexuai­s usem banheiros femininos. “Essas pessoas sofrem? Sofrem. Mas, no conceito de aristoteli­smo, democracia é o bem comum pra maioria. E a maioria das mulheres de verdade tem glândula mamária, os cromossomo­s XX.”

“Vemos feminista lutando pra deixar pelo do sovaco crescer, usar roupa curta, pelo aborto. Mas não para tirar prostituta­s da rua”, afirma.

Ela já se prostituiu. À “história de Sarinha”, pois. No microfone, conta que foi expulsa de casa por um irmão do PCC e, aos 16, trocava sexo por uns trocados. “Há muitas pessoas que defendem a prostituiç­ão como empoderame­nto. A feminista que diz isso nunca precisou vender seu corpo para ter dinheiro pra comer.”

Já engajada no feminismo, engravidou de um rapaz que deu no pé. Ficou “desesperad­a” e procurou ajuda numa comunidade virtual feminista. Lá, diz, foi aconselhad­a a abortar. Argumentos para convencê-la: seria uma “boa experiênci­a empírica” e “você vai ficar gorda, com peito caído” caso tivesse o bebê.

Tomou quatro comprimido­s abortivos, teve complicaçõ­es com o procedimen­to e por pouco não ficou infértil. Hoje é mãe de Hector, 3, e noiva do militar Augusto. “Deus foi tão esperto que me deu um filho homem e um sargento do Exército para por um pouco de disciplina na minha vida.” Leia mais em Mundo A13

 ?? Raquel Cunha/Folhapress ?? A ex-ativista do Femen Sara Winter, que organizou o Congresso Antifemini­sta do Brasil, numa igreja carioca
Raquel Cunha/Folhapress A ex-ativista do Femen Sara Winter, que organizou o Congresso Antifemini­sta do Brasil, numa igreja carioca

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