Antes de ser morta, PM ficou horas em poder de bandidos
Governo de SP mantém Paraisópolis ocupada após morte de soldado Sorriso; favela é reduto de facção
Segundo perícia, a soldado Juliane Duarte deve ter permanecido por mais de 24 horas em poder de criminosos antes de ser assassinada. O governo de SP ocupa há seis dias a favela de Paraisópolis, reduto de facção, onde Juliane foi vista pela última vez.
A soldado da PM Juliane dos Santos Duarte, 27, deve ter permanecido por mais de 24 horas em poder de criminosos antes de ser assassinada com um tiro na cabeça. A avaliação é da cúpula da Polícia Militar de São Paulo, depois de uma primeira perícia feita no corpo da policial. Juliane desapareceu na favela de Paraisópolis, na zona sul, na madrugada de quinta (2) e seu corpo foi encontrado na noite de segunda (6) dentro de um carro em Jurubatuba, a 8,5 km de onde ela havia sido vista pela última vez.
O crime ocorreu em uma região que é reduto da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), onde a própria polícia tem dificuldades para entrar.
O assassinato da PM mobilizou a corporação e resultou em intensa movimentação policial em Paraisópolis nos últimos seis dias, com incursões em becos e sobrevoos de helicópteros na comunidade —onde viviam 63 mil pessoas na última estimativa, de 2012.
A ocupação da favela pela polícia será mantida, segundo a gestão Márcio França (PSB). “Não vamos sair até o momento que tivermos pacificado a situação por lá”, afirmou Mágino Alves, secretário estadual da Segurança Pública.
Exames apontaram que a soldado morreu entre 24 h e 48 h antes da localização do corpo. Isso significa que a morte deve ter ocorrido entre sábado (4) e domingo (5).
Segundo testemunhas, ela foi levada por bandidos ainda com vida na madrugada de quinta de um bar de Paraisópolis. Teria ficado em poder dos criminosos até seu destino ser decidido, em uma espécie de tribunal do crime.
A partir do resultado da perícia, a outra hipótese da PM é a de Juliane ter recebido os disparos e ter agonizado no porta-malas do veículo por mais de um dia até morrer. Mas a possibilidade é considerada remota porque, além de tiros na virilha, ela foi atingida na cabeça. A suspeita é que a policial tenha sido morta com a própria arma, uma pistola .40.
A polícia prendeu um suspeito de participação direta no crime. As investigações sugerem a participação de ao menos mais três criminosos.
O único suspeito preso é Everaldo Severino da Silva, 45, conhecido como “Sem Fronteira”. Everaldo, que nega participação no crime, é suspeito de integrar a facção PCC e, em Paraisópolis, ter a função de ordenar assassinatos.
Segundo policiais, dificilmente alguém mataria um PM na comunidade sem ordem dos chefes da quadrilha —já que a reação da corporação seria previsível, com prejuízos ao tráfico de drogas em uma das principais “bocas de fumo” da capital paulista.
Isso explicaria a razão pela qual a PM não foi morta em um primeiro momento —os bandidos provavelmente consultaram outras instâncias.
A reação da polícia foi imediata, com operações desde quinta, sem data para terminar, com militares e civis.
Apesar da tragédia, policiais avaliaram que a PM não seguiu alguns procedimentos de segurança —por ter se colocado em um ambiente vulnerável e sacado a arma para resolver um furto de celular, em local sem apoio rápido.
Segundo testemunhas, após Juliane se identificar como policial nesse bar, frequenta- dores do espaço informaram aos bandidos sobre a presença dela. Quatro deles teriam aparecido, três deles com capuz, e levado a PM para um local desconhecido, após ter acertado um tiro na perna dela.
Os riscos até para os policiais em Paraisópolis foram evidenciados em novembro de 2017 pela diretora do DHPP (Departamento de Homicídios), a delegada Elisabete Sato.
“Nossos investigadores me falaram na semana passada: ‘Diretora, está difícil entrar em Paraisópolis [...] Nem a PM nem a Rota estão entrando lá’”, afirmou ela, em evento sobre segurança pública.
Na época, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) negou tal dificuldade. O secretário Mágino disse que a afirmação era “o mais completo absurdo”.
‘Sorriso’ era festeira, elogiada por chefes e queria ser da PF
“Sorriso, ô, sorriso!”, chamavam amigos da policial Juliane dos Santos Duarte, 27, que ganhou o apelido pela simpatia e bom humor rotineiros.
“Com ela não tinha tempo ruim”, diziam amigos e ex-namoradas que foram ao enterro da PM nesta terça (7), em São Bernardo do Campo, no ABC.
“Eu dizia que, antes dela, chegavam os dentes dela, porque ela tinha aquele sorrisão. Se você estava triste, ela te levantava”, descreve a estudante Patrícia Silva, 30, amiga de Juliane e da família há dez anos.
A soldado dos bombeiros Uilca Silva, 28, amiga da policial, disse que ela “adorava uma bagunça”. “A Ju era alegre pra caramba”. As duas fizeram o treinamento juntas e dormiram no alojamento militar por seis meses. “Ela nos acordava todo dia com rock.”
Os amigos afirmam que Juliane era ótima dançarina de forró e sertanejo, tocava instrumentos e adorava cantar.
“Ela tocava violão e bongô, que ela levava na moto para todos os lugares. Na dança, guiava muito bem. Eu era sempre a dama, e ela, o melhor cavalheiro”, afirma o amigo João Pedro Michelini, 23.
Varias ex-namoradas de Juliane foram ao enterro. Muitas disseram que era impossível guardar mágoa dela. “Não tinha como não gostar da Ju”, resume uma das ex, a empresária Karina, de 24 anos. “Tudo era festa, ela topava qualquer programa”, conta outra ex, a caixa Laysla Carvalho, 24.
Segundo os amigos, a policial era “namoradeira”. A mãe reconhece: “ela era muito requisitada e não deixava por menos”, diz Cleusa dos Santos, 57. No momento, porém, não estava em nenhum relacionamento sério, afirma a mãe. “Ela disse que não queria se distrair, porque precisava se dedicar ao trabalho. Queria estudar para sargento, tenente e depois para a PF.”
A policial morava com a mãe, que sofre de câncer na medula óssea, e sustentava a casa. Apesar de festeira, como soldado Juliane era vista pelos chefes como séria e exemplar.
“Era muito ativa e prestativa. Fora do normal. Ela queria subir na carreira e já tinha experiência na GCM”, diz seu chefe no policiamento, o sargento Gilson Aparecido Noccioli. “Ela tinha um comportamento excelente, cumpridora das normas, companheira e prestativa”, afirma seu comandante, o tenente coronel Marcio Necho da Silva.
Também gostava de animais —levava cães e gatos da rua para casa, cuidava e depois doava. Dos muitos animais que adotou, manteve duas gatas.
Muitos amigos disseram que Juliane era discreta sobre a sua profissão e estranharam a versão de que a policial teria se identificado na favela. No enterro, centenas de policiais fizeram uma homenagem. Ao final, um dos familiares exclamou: “Vai com Deus, Ju, você combateu o bom combate”.
Eu dizia que, antes dela, chegavam os dentes dela, porque ela tinha aquele sorrisão. Se você estava triste, ela te levantava Patrícia Silva estudante amiga da soldado Juliane dos Santos Duarte e da família dela há dez anos