Um pai em apuros nos Estados Unidos
Em sua primeira grande viagem, biscoita parecia querer nos ver em Guantánamo
Foi a primeira viagem grande da minha filha de 3 anos. E, logo na chegada aos EUA, Elis revelou que pimenta pouca seria bobagem. Parecia buscar um jeito de nos mandar para Guantánamo.
Foi a primeira viagem grande, em família, da minha filha biscoita, de três anos. Ansiosa por natureza, a menina começou a aventura um mês antes do embarque para o Texas (EUA), tagarelando palavras em inglês e prometendo botar muita energia para fora.
Mas quem botou algo para fora, mesmo, fomos eu e minha mulher: os bofes, de tanto que tivemos de interceder para evitar que a menina transgredisse alguma das milhares de regras de bom comportamento dos americanos.
Logo na chegada em Houston, depois de ter apagado no voo somente após ter visto 15 vezes pedaços de um filme a respeito de um reino gelado — mas prontamente ter acordado ao saber que a tia do avião estava distribuindo jantar—, Elis já revelou que pimenta pouca seria bobagem.
Como normalmente acontece, por uma questão de logística, fui o último a desembarcar. Ela e a mãe aguardaram do lado de fora. “Mamãe, cadê meu pai?”, “mãe, meu pai não vem?”, “Mãe, vamos buscar o papai?”.
Depois de devidamente acomodado em minha cadeira, rumamos para a Imigração, mas biscoita logo deu o alerta de que tinha necessidade “urgente” de ir ao banheiro. Saiu de lá renovada. “Papai, fiz um moooonte de cocô! Você fez também? Você não foi no banheiro no avião. Fez um cocozão, pai?”, berrava ela na língua universal do constrangimento.
Enquanto aguardávamos nossa vez para sermos atendidos no guichê da aceitação, a menina parecia buscar um jeito de nos mandar para Guantánamo. Puxava as cordas de separação de filas, entrava em salas de acesso restrito, ria dos agentes de segurança e disse que o policial que nos atendeu tinha bigode estranho.
Um dos meus maiores receios quando estou com a pitchuca em lugares públicos é o de ela correr de mim durante alguma ausência temporária da mãe. Se pais sem deficiência levam olés de seus pequenos, no meu caso, é goleada certa.
E como ela me testou! Sempre dando uma olhadinha para trás para saber o meu nível de desespero, correu pelos saguões dos aeroportos, dentro de shoppings, em parques, nos corredores do hotel, na rua. Só mesmo acreditando em nossa senhora da bicicletinha para nada ter dado errado.
Com um calor de 39ºC na lomba, ficamos numa sombrinha esperando mamãe encontrar algo diferente de gordura para comermos e seguirmos o passeio pelo mundo das baleias presas em aquários.
A conexão do celular, o que ela chama de “Seu Lobato”, morreu, o desenho parou e o desespero de procurar a mãe chegou a níveis alarmantes. Ela ensaiou uma fuga em meio à multidão, mas um casal cheio de meninos, também degustando da sombra, me ajudou a conter o tsunami mirim.
Novamente cansados, à procura de um oásis, entramos em um shopping. De longe, a menina avista o paraíso do consumo infantil e escoadouro de parcos dólares de pais brasileiros trabalhadores: a loja da Disney. “A fantasia da Moaaaaana! Paaaai, olha iiiiissso, a boneca da Bella! Meu Deus do céu, que lindo esse vestido da Branca de Neve”.
Quase uma hora depois de percorrer todos os corredores da loja por dez vezes cada um, extasiada, ela se contentou e quis mesmo um conjuntinho de bonecas de princesas por dez doletas. E viva o Mickey!
Sábado tem festa do Dia dos Pais na escolinha que será “exclusiva” para eu e biscoita. Mamãe não entra. Mas, como dizem os entendidos, nada melhor do que uma experiência internacional para dar tarimba na gente. Como me falou um motorista de Uber ao ver o nível de animação de minha garota ao chegar num parquinho aquático: God bless...