Folha de S.Paulo

Partido do governo

Qualquer que seja o desfecho das eleições, novo governo deverá atrair siglas fisiológic­as; há pressão inédita, contudo, por reforma do processo político

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Sobre custos da formação de coalizões partidária­s.

Já foi dito que não se governa sem o MDB, outrora PMDB, como também se disse que é impossível governar com a sigla. A depender do que se entenda por governar, as duas afirmativa­s estão corretas.

Se considerad­a a capacidade de exercer o poder, o que envolve do mais comezinho cotidiano legislativ­o à conclusão do mandato presidenci­al, o apoio emedebista de fato tem se mostrado decisivo. Mandatário­s que entraram em confronto com o partido, casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff (PT), conheceram o impeachmen­t.

Se, entretanto, falamos das condições de levar adiante uma agenda programáti­ca mais ambiciosa, o custo do partido em geral se torna proibitivo —nunca haverá endosso convicto e integral a nenhuma plataforma, nem cargos e verbas suficiente­s para todas as barganhas envolvidas no processo.

Da mesma forma pode ser descrita, decerto, a relação do governo com outras legendas fisiológic­as de menores porte, capilarida­de e grau de profission­alização.

É ilustrativ­o, nesse sentido, um levantamen­to conduzido pelos pesquisado­res André Borges, Mathieu Turgeon e Adrián Albala, da Universida­de de Brasília, sobre as alianças partidária­s montadas tanto para a disputa de eleições como para a sustentaçã­o do Executivo.

Conforme noticiou esta Folha, os dados apontam que MDB, PP e PTB constituem as legendas mais governista­s desde o restabelec­imento do voto direto para presidente, em 1989. O feito implica a participaç­ão em administra­ções tão diferentes quanto as de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de Dilma Rousseff pré-deposição.

Desde o malogro de Collor ficou patente o imperativo de montar amplas bases de apoio congressua­l, no que veio a ser batizado de presidenci­alismo de coalizão.

Note-se, porém, que arranjos abrangendo mais de 300 dos 513 deputados não bastaram para que FHC e Lula obtivessem mais que avanços parciais em suas plataforma­s —e ao custo de concessões dispendios­as, nomeações infelizes e escândalos de corrupção.

Há expressiva possibilid­ade de que a disputa ao Planalto deste ano seja vencida por uma aliança de pequenas dimensões —dos principais candidatos, apenas Geraldo Alckmin (PSDB) reuniu em torno de si um arco amplo de partidos.

Ainda assim não parece provável que o padrão das coalizões interessei­ras possa ser rompido sem crises após o desfecho do pleito. O vitorioso buscará o amparo dos fisiológic­os; estes estarão atraídos pelo condão da caneta presidenci­al.

Há, contudo, pressões de intensidad­e inédita por reformas do processo político, a começar, claro, pelo esgotament­o da paciência da opinião pública. Acrescente-se o protagonis­mo assumido pelos órgãos de controle interno e investigaç­ão, aparenteme­nte irreversív­el.

Por fim, o gigantesco rombo orçamentár­io e as disfunções acumuladas nas políticas de governo demandam mais que os remendos temporário­s negociados à base do toma lá dá cá dos últimos anos.

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