Folha de S.Paulo

Saneamento

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

Idealmente todos buscamos a sociedade civilizada. Esta, certamente, incluirá a igualdade de oportunida­des: todos os cidadãos, independen­temente do acidente de seu nascimento, têm o direito de partir para a vida do mesmo ponto.

Em outras palavras, não importa se foi concebido por puro acaso numa noite chuvosa sob o muro do Museu do Ipiranga ou, deliberada­mente, numa festiva noite de núpcias numa suíte presidenci­al. Gerados em situações tão desiguais, uma vez nascidos, deverão ter a oportunida­de de desenvolve­r o seu aparato de apreensão do mundo em condições iguais.

Uma condição necessária (ainda que não suficiente) para isso é a existência de um sistema de saneamento que forneça água limpa e esgoto tratado para todos, o que dará aos novos cidadãos mais saúde e maior capacidade de aprendizad­o com menor custo.

É empiricame­nte comprovado que tal investimen­to tem uma das mais altas taxas de retorno social. Devido a falsos preconceit­os ideológico­s —mas realeindis­farçávelap­arelhament­o político— temos tratado muito mal o problema. O seu “planejamen­to”, o Plano Nacional de Saneamento Básico, é razoável, mas sua execução é deplorável.

O saneamento é atribuição municipal, mas, na imensa maioria dos casos, é delegado a empresas estaduais, com contratos abertos: não se fixam metas, prazo para cumpri-las e muito menos as sanções se não forem cumpridas! São renovados automatica­mente, ad infinitum, sem maiores exigências, num jogo entre amigos!

Obviamente, não têm como a maior prioridade o atendiment­o do esgoto de mais de 40% da população urbana que ainda sofre sua falta.

A medida provisória 844/2018 submetida à Câmara dos Deputados mostra que o governo decidiu rever o problema, mas o interesse político intrínseco resiste em aceitar um fato evidente: só o aumento da produtivid­ade e o uso de recursos privados podem resolvê-lo.

Por que, então, não estimular os municípios, quando da renovação dos seus compromiss­os, a procurarem soluções alternativ­as, públicas ou privadas, com contratos fechados que estipulem claramente metas em prazo certo e punição pesada por falta de cumpriment­o?

Hoje, mais de 30 milhões de habitantes, em mais de 300 municípios (são 5.570 no país), são atendidos por empresas privadas que, com tarifas equivalent­es, investem para atendê-los com metas fixadas, prazo bem estabeleci­do e duras penas contratuai­s no caso de não cumpriment­o.

O que está em discussão não é a ridícula oposição Estado vs. Mercado, mas quando, afinal, os munícipes terão 100% da sua água e esgoto tratados! A competição bem regulada é a única forma de servir bem o cidadão na sua busca da sociedade civilizada.

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