Folha de S.Paulo

Moda abre temporada de caça à serifa ao trocar logotipos históricos de suas grifes

- Pedro Diniz

No clima de faxina que a moda promove em suas grifes centenária­s na segunda metade desta década, os alvos de seus estilistas não são apenas os compriment­os e as cores das coleções. Logotipos históricos que giraram a máquina de costura no século passado acabam de adotar novo look e abriram a temporada de caça à serifa, as linhas sobressale­ntes das letras.

A última etiqueta que promoveu uma mudança drástica nos desenhos colados nas roupas foi a inglesa Burberry. Na coleção que será desfilada em setembro, em Londres, já sob a gestão de seu novo desginer, Riccardo Tisci, o cavaleiro gravado em cima do nome da marca não aparecerá mais, assim como a serifa das letras.

Em junho, durante a temporada masculina, a grife Berluti também extirpou as linhas de seu nome, seguindo um movimento que, no ano passado, limou as da marca Diane Von Furstenber­g e, em 2012, as da Yves Saint Laurent.

Pelo viés do design gráfico, o que as grifes vêm fazendo é trocar o guarda-roupa helvética, minimalist­a e vinculado à elegância da leitura erudita, pela “fofura” da fonte futura, mais geométrica e acessível a qualquer pessoa, segundo especialis­tas consultado­s.

“O geométrico tem um impacto instantâne­o sobre as pessoas. Grosso modo, um tipo serifado é para ser lido, e um sem serifa é para ser visto”, afirma o designer gráfico Chico Homem de Mello.

Maior autoridade nos estudos da tipografia brasileira, Homem de Mello lembra que após um domínio de quatro séculos na escrita, a serifa foi desafiada pela cultura nos anos 1920, com o manifesto modernista que apontava a tipografia sem serifa como o visual dos tempos modernos.

“No contexto cultural, o uso da serifa está vinculado à tradição, a um passado nobre. Mas as marcas passaram a tirar esse requinte em benefício do visual das mídias eletrônica­s, que podem ter a melhor tela de celular do mercado, mas não imprimem bem os tipos serifados”, afirma.

Empresas com a base de seus negócios no mundo dos bits —entre elas Google, Spotify e Airbnb—, entenderam o movimento e já adicionara­m curvas e negrito às suas marcas.

No caso das grifes, o ponto em comum a todas elas é o momento em que a mudança visual acontece.

Invariavel­mente, novos logo são apresentad­os como um rito de passagem do antigo para o novo estilista superestre­la que assume o comando criativo.

Foi assim com a Calvin Klein, em 2017, quando o estilista belga Raf Simons lançou sua primeira coleção. Para a recauchuta­da, a grife contratou o mesmo designer que criou a nova identidade visual da Burberry: o inglês Peter Saville, amante declarado da geometria “sains serif”.

Principal nome dessa tendência no mundo da moda, foi ele quem levou antes a estética moderna dos anos 1960 aos álbuns seminais do rock britânico. Essa mesma caça à serifa ele empreendeu nos anos 1980, em discos dos grupos Joy Division e New Order, ambas da lendária gravadora Factory Records.

Saville segue um padrão que, segundo a designer gráfica Andrea Kulpas, chegou ao mercado na esteira do pós-crise de 2008, quando os supermerca­dos Walmart e Carrefour aderiram ao visual “amigável” em seu logo.

“Hoje é preciso ser desejável, causar empatia no consumidor. Serifa é bom pra leitura, mas o tipo futura torna a marca mais reconhecív­el”, diz.

Kulpas cita a Supreme, marca americana que tem o logo em negrito, itálico e bold, como o melhor exemplo da receita do sucesso do desenho pensado para a nova geração.

“Transmite uma ideia do que é ser ‘cool’ nos dias de hoje. O logo, desprovido de qualquer eruditismo, traz uma percepção que o despojamen­to é mais, e a elegância clássica, menos”, explica.

Coincidênc­ia ou não, as grifes que limaram as sobras reportaram, até agora, lucros acima da média do mercado.

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