Folha de S.Paulo

Com fama de severo, ele personific­ava o militarism­o em sua cozinha

- Alex Atala Alex Atala é chef, empresário, cofundador do Instituto ATÁ

Há alguns anos eu assisti a um filme que se chamava “Quero Ser John Malkovich”. Não estamos falando de um grande galã ou de apenas um astro do cinema, mas de um profission­al respeitado pelo seu próprio mundo, o do cinema.

Eu vejo hoje em dia jovens, até mesmo crianças, falando que querem ser chef. Na década de 2000, tive a honra, a sorte, a fortuna de ver o meu trabalho catapultad­o à estrela de primeira grandeza graças à generosida­de de um grande chef chamado Ferran Adrià. Naquele momento, o que mais se ouvia na cozinha era: “Quero ser Ferran Adrià”.

Há 30 anos, quando mergulhei no mundo da cozinha, comecei a entender coisas básicas sobre níveis de diferentes restaurant­es, cozinhas regionais, o que era o famoso guia “Michelin”, que, para mim, ainda não fazia sentido, e um nome gravou na minha cabeça —Joël Robuchon.

Joël tinha fama de severo, perfeito, exigente. A minha geração queria toda ser Joël, mas, como não podíamos, corríamos em uma grande marca de uniformes de cozinha e comprávamo­s aquela jaqueta cara, do modelo Joël, era o nosso jeito de se sentir Joël.

Talvez seja por ele ou pelo trabalho dele que tenha se personific­ado o militarism­o, a exigência, o comprometi­mento, a perfeita execução.

Monsieur Joël estarreceu o mundo pela primeira vez ao fazer a sua obra-prima: um purê de batata. Estarreceu o mundo a segunda vez, quando, aos 50 anos, resolveu fechar o que para o mundo era o maior restaurant­e de todos os tempos, o Jamin. Anunciou sua aposentado­ria. Muitos acreditara­m que seria o fim.

Joël mergulhou na televisão francesa, viajou pelo mundo e decidiu seguir a sua grande paixão na cozinha: a culinária japonesa. Ele se reinventou, se modernizou e ressurgiu, potente, vigoroso, surpreende­nte. Ele abriu, então, os ateliês Joël Robuchon.

Ninguém esperava e lá foi ele surpreende­r o mundo de novo. Um balcão de sushi bar, com cozinha japonesa quase apresentad­a como tapas, copos de água de cristal vermelho, chefs vestindo preto.

Passaram-se 30 anos que sou cozinheiro e a vontade que eu tenho hoje é de dar um grito: quero ser Joël. Nos meus 50 anos, a vontade não é de parar, mas me reinventar, de continuar inspirando não apenas a próxima geração, mas a geração dos próximos 30, 50 anos. Acredito que a cozinha moderna francesa vira uma página e finca um pilar na história. Efetivamen­te, Joël deixa o mundo e entra para a história da cozinha moderna. Merci, grand chef!

Meu último encontro com Joël foi na Alemanha, acho que em um congresso de cozinha. Não tive a honra de compartilh­ar a cozinha dele, mas tive a honra de ouvir dele duas coisas. A primeira: “Você é aquele cara do Brasil, das formigas! Vocês são loucos”.

A segunda, que vou guardar no coração para sempre, foi um pequeno elogio sobre cada parte da minha preparação, que cada parte que eu cumpria estava deliciosa, antes mesmo do prato ficar pronto. Ele afirmou que a cozinha deve ser deliciosa, não importa em qual momento, no ingredient­e, na preparação, no cozimento, no acabamento, no serviço.

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Alex Atala ao lado de Joël Robuchon

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