Folha de S.Paulo

Bar em Pinheiros tem equipe de olho em paquera insistente

Projeto é voltado para mulheres se sentirem mais à vontade para sair sozinhas

- Daniel Salles Leo Martins/Folhapress

Viviane Kahtalian, 60, gosta de uísque caubói. E se irrita quando sai desacompan­hada e alguém insiste em lhe pagar uma bebida —em geral, algo mais suave, como uma taça de champanhe. Pensando nisso, ela idealizou um bar cujo conceito, atendiment­o e decoração constrange­m esse tipo de comportame­nto.

O Eugênia, em Pinheiros, homenageia a jornalista e atriz mineira Eugênia Álvaro Moreyra (1898-1948), tida com uma das primeiras feministas do Brasil. Decorado com retratos de Amy Winehouse e Clarice Lispector, o sobrado tem três ambientes. A saleta aos fundos abriga uma prateleira que só acomoda livros de escritoras, de Simone de Beauvoir à filósofa Hannah Arendt.

Com piso elevado, o salão do meio, iluminado por um letreiro em neon no qual se lê “grl pwr”, acomoda um piano vertical. Faz as vezes de palco para shows protagoniz­ados por mulheres (vozes masculinas não fazem parte da trilha sonora).

À exceção do namorado de Kahtalian, sócio dela, o staff é feminino. “Aqui ninguém olha torto quando uma mulher chega sozinha. E, provavelme­nte, ela não será alvo de cantadas insistente­s. Ficamos de olho”, diz.

Na entrada, o balcão é comandado pela paulistana Flavia Suppi. Ex-funcionári­a do Riviera, a barwoman de 36 anos assina sua primeira carta de drinques. “Nunca me deram espaço nesse meio pa- ra colocar minhas ideias em prática”, diz.

A reclamação de mulheres do outro lado do balcão é recorrente. A sommelière argentina Cecilia Aldaz, 36, diz que, volta e meia, precisa se desvencilh­ar de cantadas no restaurant­e em que trabalha, o Oro, no Rio de Janeiro. Um cliente quis dar a ela uma caneta Montblanc, alegando que era para ela “brilhar ainda mais no salão”.

Também no Rio, a bartender Jéssica Sanchez, 29, do Vizinho Gastrobar, relata que penou até ser levada a sério na coquetelar­ia. “Nos meus primeiros trabalhos, em bares e casas noturnas, só me deixavam lavar louça”, diz.

A paulistana Beatriz Ruiz, 31, sommelière de cervejas e gerente de marketing da Goose Island, engrossa o coro das queixas. “Tem homem que simplesmen­te não acei-

ta que mulher pode entender mais do assunto”, diz ela. Por isso, em abril do ano passado, tomou a iniciativa de fundar uma confraria feminina, a Goose Island Sisterhood. O grupo se reúne todos os meses para debater a igualdade de gêneros no universo da cerveja.

Os encontros também dão origem a chopes sazonais. O número um, o Carolina, presta tributo à mineira Carolina Maria de Jesus (1914-1977), uma das primeiras negras do país a fazer sucesso nas letras.

Única mulher do trio de cervejeiro­s do pub, a paulista Marina Pascholati, 28, se encarrega da produção. Interessad­as em participar devem se inscrever na comunidade do projeto no Facebook. O lucro com os chopes da confraria é revertido para instituiçõ­es sociais com projetos que envolvem o bem-estar da mulher.

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O Clitorea, com gin em infusão da flor de mesmo nome, licor Saint Germain e limão siciliano, do Eugênia
 ?? Leo Martins/Folhapress ?? A dona do bar Eugênia, Viviane Ka, e a bartender, Flavia Suppi
Leo Martins/Folhapress A dona do bar Eugênia, Viviane Ka, e a bartender, Flavia Suppi

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