Folha de S.Paulo

Alimentar os filhos é o mais bacana a se fazer no Dia dos Pais

- Marcos Nogueira

E lá se vão mais de dois anos desde a morte do meu pai. Este será o terceiro Dia dos Pais que passo sem ele —pensar nisso ainda me dá um certo desamparo.

Mas a gente se acostuma com tudo. Aliás, preciso confessar, a data ganhou um significad­o maior quando eu deixei de ser filho para ser simplesmen­te o pai da Angela, 23, e do Pedro, 5. Cozinhar para eles me enche de alegria.

Os Dias dos Pais com o velho Nogueira aconteciam, quase sempre, no apartament­o da família. Quem cozinhava era a minha mãe. Não que a dona Ana cozinhasse mal, pelo contrário. Fazia uma feijoada de respeito. Um ótimo nhoque com bracholas. Um bacalhau que eu aprendi a apreciar depois de adulto.

A questão é que a velha cozinhava todos os almoços de domingo. Assim, o Dia dos Pais era um pouco mais do mesmo. Nada de muito especial.

Quando a idade avançou, eu e minhas irmãs conseguimo­s finalmente tirar os velhos da toca no Dia dos Pais. O restaurant­e favorito para a comemoraçã­o era o Tordesilha­s, que ainda ficava na rua Bela Cintra e servia um bufê de comida brasileira aos domingos.

Lombo com tutu, moqueca capixaba, barreado, pato no tucupi. O pai desprezava tudo isso e se entupia de bobó de camarão. Isso depois de traçar uma dúzia de pastéis na espera.

A espera, por sinal, é o que avacalha o almoço de Dia dos Pais nos restaurant­es. Você nunca consegue juntar toda a família antes das duas da tarde. Sempre encara uma fila de uma hora ou mais, com farto serviço de cerveja, caipirinha e frituras mil. Senta-se à mesa bêbado e sem fome. Quando sai do restaurant­e, o céu começa a escurecer –e o cérebro já trabalha na antecipaçã­o da segunda-feira.

Cozinhar para a família me arrancou do tédio e da melancolia dominical. Descobri que o Dia dos Pais pode ser divertido. Proponho a experiênci­a a todos os pais que me leem aqui.

Objeção possível: “Trabalhar no meu dia?”. Sim, colega, o que pega? Isso pode ser objeto de problemati­zação no Dia das Mães, mas não conheço nenhum pai que seja escravo da pia e do fogão.

Outro obstáculo: “Não sei cozinhar”. Conversa mole. Agite um churrasco. Faça uma macarronad­a. Vá lá no meu blog: tem mais de uma receita de molho de tomate que até você é capaz de fazer.

Melhor ainda, embrome. Compre uns frangos assados. Se não dá conta de preparar uma farofa e uma salada enquanto requenta o penoso, perdão, você é um inútil.

Você perceberá que alimentar os filhos é a coisa mais bacana que se pode fazer no Dia dos Pais. Até porque os presentes nunca são grande coisa —e muitas vezes vêm do seu próprio dinheiro, um investimen­to péssimo.

Este ano, passarei o Dia dos Pais num flat em Brasília, cidade onde mora minha filha. Com um cooktop elétrico de uma boca à minha disposição, precisarei capitular à fila do restaurant­e. Vou comer uns pastéis em homenagem ao velho Nogueira.

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