VOTAÇÃO SOBRE ABORTO NO SENADO DIVIDE A ARGENTINA
Discursos ocuparam todo o dia; estimativa extraoficial indicava vitória do ‘não’
A praça diante do Congresso, em Buenos Aires, ficou repartida entre os “verdes” (à esq.), pró-legalização, e os “celestes” (à dir.), contra o aborto; o debate no Senado começou às 9h30 e a tendência de derrubada da lei seguia clara, até o fechamento desta edição, com placar extraoficial de 38 votos a 31
“É maravilhoso que tantos jovens contestem as mortes em abortos clandestinos e a ingerência das igrejas no Estado Myriam Bregman advogada
Sou um homem trans e batalho para que a lei contemple corpos gestantes. Não aprovar esta lei não significa estar a favor da vida, mas estar a favor da morte clandestina Tomás Máscolo jornalista
A maternidade não pode ser imposta. Dizer que se deve ser mãe a todo custo é desconhecer a Constituição. A ilegalidade promove a morte Nelly Minersky, 88 advogada
“Muitas vezes se entende que salvar duas vidas é um assunto religioso, mas é um problema ético. A mulher que aborta corre risco Milena Cabral, 31 obstetra
Mais da metade dos senadores argentinos já tinha manifestado sua intenção de votar contra a lei que libera o aborto até a 14ª semana de gestação até o fechamento da edição desta quarta-feira (8).
A sessão para aprovar ou vetar o projeto que já fora aprovado pela Câmara de Deputados, em junho, começou às 9h30. Dezesseis horas depois, ainda faltavam duas intervenções antes da votação.
Segundo contagem extraoficial, a vitória do “não” seria de 38 votos a 31, além de uma abstenção e uma ausência por licença-maternidade. Em caso de empate, caberia à presidente do Senado e vicepresidente do país, Gabriela Michetti, antiaborto, definir.
O aborto é permitido no país apenas em caso de estupro e risco de morte da mãe (no Brasil, além destes, é legal em caso de anencefalia).
Na praça diante do Congresso, foram postas placas de metal e limites até onde podiam ir os “celestes”, contra o aborto, e os “verdes”, pró-legalização.
Os “verdes” vêm sendo mais bem organizados por associações feministas, como a Campanha Nacional contra a Violência Contra a Mulher.
Além dos lenços verdes, elas distribuíram capas de chuva nessa cor (choveu a tarde toda) e montaram tendas de alimentação e um QG no hotel Castelar para os ativistas poderem descansar ao longo da jornada em uma tarde de temperaturas entre 8°C e 11°C.
Já os “celestes” trouxeram seu principal símbolo, o fe- to de plástico Alma, além de bandeiras argentinas e cartazes contra o presidente Mauricio Macri, que deu impulso ao início das votações. Havia crucifixos e imagens religiosas.
Enquanto os “verdes” gritavam “nem uma a menos” ou “aborto legal, no hospital”, os “celestes” bradavam “sim à vida, aborto não”, e “salvemos as duas vidas”. Entre as “verdes”, predominavam adolescentes e mulheres jovens. Entre os “celestes”, mulheres mais velhas e homens.
Além dos dois lenços que se tornaram febre na Argentina nos últimos meses, passou a circular um laranja, pela defesa do Estado laico. Na multidão, vendedores ofereciam os três ao mesmo tempo. “Mas o senhor em que crê?”, perguntou a Folha a um deles. “Que todos devem estar felizes, e se a senhora comprar um, vou ficar feliz, qual quer?”.
Dentro do Congresso, a maioria dos 60 senadores inscritos para discursar antes de votar excedeu os 10 minutos definidos para cada intervenção.
Entre os que haviam se declarado contra a lei, até então, estavam Esteban Bullrich, da aliança governista Mudemos, para quem “a maternidade não deveria ser um problema”. “Se não houvesse vida, não haveria Senado nem leis.”
Mas quem causou mais polêmica foi o peronista Rodolfo Urtubey, que disse que, depois de votada a derrota da lei, deveria se “tipificar melhor o que é estupro”, explicando que aqueles que se realizam “com violência, nas ruas” são mais graves que os “intrafamiliares”, que ocorrem em casa.
E explicou: “Às vezes o estupro é um ato involuntário que uma pessoa sofre por parte de um abusador com quem tem uma relação de inferioridade, mas não chega a ser violento”.
Gladys González, da aliança governista Mudemos, chorou e disse que “sonha para as argentinas o mesmo que para as minhas filhas, que possam planejar ter seus filhos e possam gozar de seus direitos e se tenham de chegar a ter de fazer um aborto, que seja com segurança e dentro da lei”.
Já a peronista Beatriz Mirkin indagou se as mulheres são “ventres ou seres humanos com direitos”. “Fui votada para legislar e vou legislar a favor dos direitos da mulher.”
Um dos últimos discursos foi da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-15). “Sempre votei e governei pela vida, principalmente quando fizemos justiça a muitas vítimas da ditadura e com as leis de gênero que aprovei, quando incluímos a figura do feminicídio, hoje estamos votando em bloco mais uma lei que zela pela vida da mulher”, disse.
O primeiro direito é cuidar dos mais vulneráveis. A mulher sofre violência, mas a criança por nascer é a mais indefesa Paula Andrea dos Santos, 49 missionária
Podemos evitar a gravidez. A saída não é matar o mais fraco. Somos contra o Estado dizer que essa é a saída, não contra a mulher Ana Laura Lopez, 21 estudante