Folha de S.Paulo

Jockey Club vende imóveis abaixo do preço aos sócios

Para quitar débitos, clube paulistano já se desfez de mais de R$ 110 milhões em imóveis, adquiridos inclusive por sócios

- Artur Rodrigues e Guilherme Seto Zanone Fraissat/Folhapress

Com dívida de centenas de milhões de reais, o clube paulistano já vendeu mais de R$ 110 milhões em imóveis para pagar dívidas e manter operações. Nos leilões, as ofertas são escassas —algumas feitas por sócios e abaixo do valor estimado.

são paulo Com dívida de centenas de milhões de reais, o Jockey Club de São Paulo, ícone do glamour quatrocent­ão paulistano, já vendeu mais de R$ 110 milhões em imóveis para colocar as finanças em dia.

O valor tem sido usado para pagar dívidas tributária­s, manter suas operações e, por fim, atrair investidor­es.

O Jockey vendeu ao menos quatro imóveis nos últimos anos, todos por meio de leilão público e aprovados em assembleia de sócios. As ofertas têm sido escassas —algumas vezes, feitas por sócios abastados e abaixo do valor estimado pela prefeitura.

Um dos imóveis, onde funciona posto de gasolina, foi vendido por R$ 8 milhões. O valor venal de referência estimado pela prefeitura é de R$ 12,7 milhões. O Jockey lançou o imóvel em leilão por esse preço, mas não recebeu propostas.

O clube vendeu também um terreno de mais de 3.200 m² onde no passado funcionou o colégio Equipe, ao lado do Jockey, em Cidade Jardim.

A compradora foi a Fundação CSN, ligada à Companhia Siderúrgic­a Nacional, comandada por Benjamin Steinbruch, presidente do conselho administra­tivo do Jockey.

O imóvel recebeu só uma proposta e foi vendido pelo valor mínimo no leilão, R$ 11,9 milhões. Novamente, o valor está abaixo do estimado pela prefeitura: R$ 13,9 milhões.

A maior soma conseguida pelo Jockey, de R$ 90 milhões, foi com a venda de prédio no centro de São Paulo onde ficava a sede social do clube.

O edifício foi vendido para o empresário Antranik Kissajikia­n e seu filho, André Kissajikia­n, sócios do Jockey.

O prédio na época tinha valor venal de referência de R$ 67 milhões. Meses depois, em 2014, a gestão Fernando Haddad (PT) reajustou para mais de R$ 90 milhões por avaliar que as quantias de modo geral estavam defasadas.

Outra venda foi de lotes da loja da Tok&Stok em Pinheiros, cujo valor a reportagem não conseguiu apurar.

O dinheiro tem sido usado para quitar dívidas e conseguir certificad­os para receber recursos de investidor­es.

“O prédio tinha umidade absurda, refizemos toda a fiação do prédio, colocamos barramento. Era um prédio de 70 anos. Não foi bom negócio para nós. Não sabíamos que precisaria de tanto serviço”, afirma André Kissajikia­n.

No caso da compra da Fundação CSN, Luis Blecher, diretor executivo do Jockey, diz que Steinbruch o fez “para ajudar mesmo o Jockey”, já que o imóvel “está uma ruína”. Procurado pela reportagem, o empresário não quis comentar a compra.

Nas contas do clube, as dívidas estão em cerca de R$ 320 milhões. Seriam em torno de R$ 120 milhões de ISS (que estão em discussão no STF); R$ 50 milhões parcelados em programa de refinancia­mento de dívidas; cerca R$ 3 milhões para fornecedor­es; e cerca de R$ 150 milhões de IPTU.

O clube tenta negociar o débito de IPTU com a prefeitura por diferentes frentes, especialme­nte na causa da Chácara do Jockey, na qual é credor do município. O valor que consta em cadastro da prefeitura é maior, de R$ 247,8 milhões.

“Saímos da lama. Entre novembro e outubro de 2017 pagamos mais de R$ 20 milhões para ter a Certidão Negativa de Débitos. Isso ajudou a colocar a área fiscal em dia, nos permitiu vender o posto. Temos que sanear a parte fiscal para que se possa ter estabilida­de e capacidade de receber ativos. E chega de vender patrimônio”, afirma Blecher.

A dívida do IPTU é vista como impagável pelo clube. Por receber recursos de apostas, o Jockey nunca teve isenção como outros clubes da cidade.

Fonte de receita no passado, o turfe desperta cada vez menos interesse. Em 2016, o movimento geral de apostas atingiu recorde negativo, com R$ 74 milhões —em 2014, chegava a R$ 130 milhões.

O clube atualmente tem suas bases financeira­s nos cerca de 600 sócios (no começo da década de 1990 eram 8.000), que pagam R$ 550 de mensalidad­e, e em eventos.

Em 2015, o clube teve déficit de R$ 65 milhões. No ano anterior, só teve superávit de R$ 53 milhões devido à desapropri­ação da Chácara do Jockey pela gestão Haddad, que entrou no balanço do clube como ganho de mais de R$ 79 milhões. A reportagem pediu acesso ao balanço de 2017, mas não foi atendida.

“O problema do Jockey não é receita. No resultado operaciona­l estamos em ‘break even’ [ponto de equilíbrio]. O que mata é pagamento do passado, os parcelamen­tos de impostos”, avalia Blecher.

A prefeitura e o Jockey anunciaram em outubro de 2017 o projeto de um parque público na área do clube. A proposta prevê investimen­to privado, área verde livre e empreendim­entos imobiliári­os e comerciais. Também há o objetivo de derrubar parte do muro que cerca o Jockey e trocá-lo por vidro. O ex-prefeito João Doria (PSDB) estipulou até três anos de obras para fazer o parque.

Para Blecher, a venda dos imóveis é plataforma para um novo momento do clube, que em dois anos deve se livrar das dívidas tributária­s, ganhar nova engenharia financeira e identidade diferente.

“A ideia é termos um parque público-privado e assim diminuir nosso problema de IPTU. Vamos pagar o que vem do passado, mas queremos negociar uma nova condição para o futuro, pois o clube não pode arcar com um IPTU de até R$ 7 milhões”, afirma. “Queremos o Jockey aberto para o público. A ideia não é mais formar apostadore­s, mas atrair a população”, completa.

“O Jockey vai ser um dos maiores centros de entretenim­ento do Brasil. O Jockey é de graça. Estamos colocando food trucks, brinquedos de crianças. Nosso ‘master plan’, que abrange o parque, inclui shopping a céu aberto, prédios, ciclovias, bulevares. Queremos uma espécie de Puerto Madero”, diz, em referência a uma vitrine de Buenos Aires.

O projeto, porém, ainda está em fase inicial, na qual o clube busca investidor­es.

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Imóvel onde funcionou o colégio Equipe, na zona oeste de São Paulo, vendido pelo Jockey Club paulista

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