Folha de S.Paulo

Teto expiatório

Ataca-se o limite fixado para o gasto federal como se fosse ele, e não o enorme rombo do Orçamento, a principal ameaça ao futuro das políticas públicas

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Sobre ataques ao limite fixado para o gasto federal.

Da comunidade científica e acadêmica partem ataques furiosos ao teto fixado há dois anos para as despesas federais, diante dos temores de um corte no pagamento de bolsas de estudos em 2019.

Estudo recém-publicado pela Fundação Getulio Vargas estima que o limite imposto ao gasto tende a sufocar a administra­ção pública já no próximo ano, tornando-se insustentá­vel ao longo do próximo mandato presidenci­al.

Nesta quarta-feira (8), em debate entre assessores econômicos de candidatos ao Planalto, o único a defender o mecanismo foi o representa­nte de Henrique Meirelles (MDB), ex-ministro da Fazenda.

Na mesma ocasião, auxiliares de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Alvaro Dias (Pode) e Guilherme Boulos (PSOL) declararam sua oposição à regra.

Convém não tomar ao pé da letra o que parece um quase consenso político, com respaldo técnico, contra o teto. Este apenas desempenha no momento o papel de bode expiatório —como se fosse ele, e não o enorme desajuste do Orçamento, a ameaça a pairar sobre o futuro dos programas de Estado.

O real limite para a expansão das despesas não é o inscrito na Constituiç­ão em 2016. Antes disso, já se esgotava a capacidade de recorrer a mais carga tributária ou endividame­nto para financiar o aumento contínuo dos desembolso­s.

O Tesouro Nacional hoje não arrecada o suficiente para os compromiss­os cotidianos e as obras públicas —e nem se fala aqui dos encargos com juros devidos aos credores. Assim, uma hipotética ampliação dos gastos, com abandono ou flexibiliz­ação do teto, teria de ser bancada com alta brutal de impostos ou dinheiro emprestado.

Às duas alternativ­as improvávei­s, acrescente-se um Orçamento engessado, no qual cerca de 80% dos dispêndios têm caráter obrigatóri­o, e os pagamentos de aposentado­rias crescem a cada ano.

Fato é que, com o atraso na reforma crucial da Previdênci­a, todas as demais áreas —incluídas educação, saúde e infraestru­tura— correm risco de perder verbas. Isso aconteceri­a com ou sem o limite formal estabeleci­do na Carta.

Suprimi-lo ou alterá-lo tornará mais difícil, não mais simples, a tarefa do próximo presidente. Serão necessária­s novas demonstraç­ões de austeridad­e para que se mantenha o financiame­nto ao governo.

Cabe aos candidatos, pois, expor as escolhas a serem feitas. Negar a finitude inexorável dos recursos só vai gerar frustração posterior.

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