Folha de S.Paulo

Resistênci­a militar

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

Um dia após ser oficializa­do candidato à Presidênci­a, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) levou sua campanha ao Clube da Aeronáutic­a. Lá chegando, o candidato ouviu a mensagem que circula há meses entre militares de alta patente.

“Mostre à sociedade que não é difícil compor um quadro administra­tivo com civis gabaritado­s”, sugeriu o ex-comandante da Aeronáutic­a tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista.

Na cúpula das Forças Armadas, a promessa do candidato de povoar metade de seu ministério com militares cai muito mal. A razão é o instinto de autopreser­vação da tropa: ao posicionar generais, almirantes e brigadeiro­s na vitrine principal de seu eventual governo, Bolsonaro terminaria transforma­ndo a tropa em vidraça.

A primeira prova de que tal preocupaçã­o faz sentido veio à tona nesta quarta (8), quando o jornal El País noticiou suspeitas de irregulari­dade envolvendo o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o controvers­o general Antonio Hamilton Mourão. Segundo os documentos divulgados, o suposto esquema de corrupção envolveria compras militares, uma empresa privada espanhola e um lobista.

A cúpula das Forças Armadas sabe que o capitão reformado abusa da mitologia segundo a qual os militares seriam imunes aos vícios típicos do sistema político brasileiro. Mas na prática quem está no comando da tropa reconhece que a força enfrenta os mesmos problemas e gargalos que assolam o resto do serviço público nacional.

A preocupaçã­o de quem entende do jogo não se limita a eventuais denúncias de corrupção. Se entrarem para a política, os militares serão cobrados por boa governança na provisão de bens públicos, sendo obrigados a mediar os interesses conflitant­es que dividem a sociedade brasileira.

Mesmo na área da segurança pública, onde as Forças já atuaram em diversas ocasiões, a entrega de bons resultados está longe de ser trivial. A intervençã­o no Rio de Janeiro —com o aumento expressivo de mortes em chacinas para uma redução pequena do crime— ilustra o problema.

A cúpula entende que, ao assumir cargos políticos, os militares correm o risco de perder a boa reputação de que gozam junto à opinião pública. De quebra, poderá haver um agravament­o das tensões entre as três Forças na disputa por orçamentos e influência na Esplanada, para nem falar da volta às manchetes dos crimes e excessos cometidos durante o último regime autoritári­o.

Para o grupo de alta patente que assiste com espanto às propostas de Bolsonaro, há uma chance real de, em nome do suposto fortalecim­ento do setor militar, uma eventual Presidênci­a do candidato do PSL terminar deixando a corporação mais fraca.

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