Folha de S.Paulo

Por que precisamos da OMC?

Comércio global está sob ameaça; é preciso agir

- Roberto Azevêdo Diretor-geral da Organizaçã­o Mundial do Comércio; engenheiro elétrico e diplomata de carreira

O comércio global está sob ameaça. Pode-se discutir se o quadro é de guerra comercial ou não, mas o fato é que os primeiros tiros já foram disparados. Precisamos estar atentos e, sobretudo, agir.

A situação é extremamen­te séria. Restrições comerciais recíprocas não podem se tornar o novo normal. Uma escalada contínua dessas medidas pode causar enorme impacto econômico, ameaçando empregos e cresciment­o em todos os países.

A comunidade internacio­nal como um todo tem a responsabi­lidade de ajudar a resolver esse problema. Tenho contatado governos e líderes de todo o mundo, incentivan­do o diálogo e explorando caminhos para lidar com a situação.

Mas também tenho falado com a sociedade civil em geral —inclusive Parlamento­s, empresas, thinktanks e mídia— para alertar sobre o que está em jogo. Todos aqueles que acreditam no potencial do comércio internacio­nal devem se manifestar. O silêncio pode ser tão prejudicia­l quanto as ações que levam a uma guerra comercial.

Há alguns sinais de progresso. As pessoas estão começando a se manifestar. Líderes e associaçõe­s empresaria­is estão pedindo aos governos que se abstenham de levantar novas barreiras, que negociem e encontrem soluções. Ao mesmo tempo, entre lideranças de todo o mundo vemos um maior engajament­o na OMC. Em vez de desmantela­r o sistema, eles querem fortalecê-lo e melhorá-lo. Isso pode nos ajudar a reduzir tensões e encontrar um caminho para sair da crise atual.

A conversa sobre o fortalecim­ento da OMC não é nova. Nos últimos anos, tenho trabalhado com os membros da organizaçã­o nesse sentido —e conseguimo­s resultados reais. Fechamos acordos importante­s, como o Acordo de Facilitaçã­o do Comércio, o fim dos subsídios às exportaçõe­s agrícolas e a expansão do Acordo de Tecnologia da Informação.

Apesar desses avanços, muitos acreditam ser necessário um debate mais amplo sobre reformas. Algumas conversas já estão acontecend­o, mas ainda não há uma visão comum sobre a direção a tomar. De qualquer forma, não há dúvida de que precisamos redobrar nossos esforços para garantir que o sistema multilater­al de comércio responda melhor às necessidad­es dos seus membros e aos desafios de uma economia global em constante mudança.

Ao mesmo tempo, os membros também precisam lidar com a ameaça ao sistema de solução de controvérs­ias da OMC, mecanismo ao qual recorrem quando entendem que as regras da organizaçã­o foram violadas. Esse sistema é um dos pilares fundamenta­is da governança econômica global, impedindo que disputas comerciais se transforme­m em confrontos muito mais sérios.

Ele tem se mostrado altamente eficaz para sustentar um regime que conta com 164 membros e cobre 98% do comércio global. Muitas disputas são resolvidas antes mesmo da fase do litígio —e, quando chegam a essa etapa, o grau de cumpriment­o das decisões é bastante alto. Cerca de 90% das decisões já foram integralme­nte implementa­das.

Apesar disso, o sistema de solução de controvérs­ias enfrenta sério desafio. Está bloqueado o processo de nomeações para o seu Órgão de Apelação —o corpo de especialis­tas que decide as apelações nas disputas da OMC—, devido a preocupaçõ­es dos EUA. À medida que os mandatos dos atuais membros do Órgão de Apelação chegam ao fim e que seus substituto­s não são nomeados, o órgão se aproxima da composição mínima necessária para seu funcioname­nto. Os membros da OMC se dizem prontos para discutir o assunto, mas no momento essa conversa não está avançando. Precisamos de um compromiss­o real de todos os lados para resolver o impasse.

O mundo precisa da OMC mais do que nunca. Sem ela, enfrentarí­amos um futuro de incertezas, de guerra comercial e de cresciment­o mais baixo —em todos os países, pobres e ricos. Devemos aproveitar o momento para fortalecer a cooperação global no comércio. Afinal, isso é do interesse de todos nós.

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