Folha de S.Paulo

Fadiga de material

Definições de esquerda e direita confundem eleitor

- Rogerio Chequer Engenheiro de produção (USP), ex-líder do movimento Vem Pra Rua e candidato ao governo de São Paulo pelo partido Novo

Como definir direita e esquerda? Os termos têm sido amplamente usados, há até certa fadiga de material, mas será que a população sabe do que se trata? Tenho convicção de que não, e isso cria amplo espaço para oportunist­as.

O problema é que existe uma profusão de réguas coerentes, mas cujas combinaçõe­s estão longe de serem facilmente classifica­das.

A primeira régua é o tamanho e interferên­cia do Estado. Esquerda defende o Estado maior e intervento­r; a direita, menor e fiscalizad­or.

O tamanho do Estado tem consequênc­ias múltiplas. Estados maiores são mais caros e abrem espaço para mais corrupção. Geralmente requerem mais impostos para se sustentare­m.

Outra régua é a do liberalism­o econômico, que pressupõe mais liberdade para empreender, contratar, demitir, exportar, importar. O liberalism­o exige menos intervençã­o na vida econômica do indivíduo, sobretudo no modo de conduzir seus negócios.

A direita tem simpatia pelo liberalism­o, pelo menos teoricamen­te, enquanto a esquerda, historicam­ente associada ao planejamen­to central e ao socialismo, tem dificuldad­e em se reconcilia­r com a ideia de economia de mercado.

Mas a régua mais enigmática, para mim, é a social. A chamada esquerda se apossou da pauta social. Não pela sua prática, mas por sua habilidade de comunicaçã­o. Prometem diminuir injustiça social sem nunca conseguire­m tê-lo feito de modo sustentáve­l em nenhum lugar do mundo. Nem mesmo aqui, quando faziam política social com financiame­nto inflacioná­rio, ou seja, tributando o pobre.

Os autodenomi­nados de direita pouco mencionam o “social” em suas prioridade­s, mas defendem que ele será atingido ao longo do tempo, pela implementa­ção de políticas econômicas sustentáve­is. Combater a inflação, por exemplo, era uma pauta de direita. Resultado: para “melhorar o social”, você não pode ser de direita —uma óbvia falácia.

Para fazer parecer a direita mais humana e a esquerda mais moderna, criaram o centro, onde vale misturar conceitos sem se compromete­r com um lado ou com o outro. Acabou se transforma­ndo, assim, num grupo caracteriz­ado pela falta de nitidez ideológica e por um pragmatism­o excessivo.

Outro conjunto de réguas, incorretam­ente agrupado, tem a ver com o liberalism­o de comportame­nto: pauta LGBT+, criminaliz­ação de drogas, aborto e armas. Aqui, a classifica­ção linear se torna impossível, pois são temas descorrela­cionados e que comportam inúmeras combinaçõe­s.

Quem é contra o aborto e a favor de armas não pode ser a favor da pauta LGBT+? Criminaliz­ação de drogas e armas tem que ser feita em combo? Ou você acha que não existe esquerda conservado­ra ou direita progressis­ta?

Essas armadilhas retóricas, que confundem as pessoas num momento crucial de escolha do futuro, podem ser evitadas se fatiarmos os assuntos e separarmos as réguas.

É fundamenta­l não reforçarmo­s o apartheid ideológico, a polarizaçã­o e a divisão quando o Brasil precisa que seus líderes abordem temas difíceis com lucidez e objetivida­de.

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