Folha de S.Paulo

Jogos vorazes

É urgente que se debata uma regra mais realista e justa para o teto dos gastos

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Na segunda-feira (6), o ministro da Educação, Rossieli Soares, reafirmou que as bolsas de estudo de pós-graduação da Capes (Coordenaçã­o da Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior) serão mantidas em 2019.

O anúncio veio alguns dias depois de um ofício em que o presidente da instituiçã­o alertou para a possibilid­ade de suspensão de todas as bolsas pelo corte nos recursos previstos para o próximo ano.

Na carta de conjuntura do Ibre-FGV de maio, o economista Luiz Guilherme Schymura concluiu que, “mesmo na hipótese muito otimista de que se aprove uma reforma da Previdênci­a no início do próximo mandato presidenci­al e que se avance em medidas que contenham o impacto fiscal oriundo do aumento real do salário mínimo e de corte de subsídios, o teto tal como definido hoje não poderá ser cumprido em 2020”.

Estudo da pesquisado­ra Vilma Pinto, do Ibre-FGV, mostrou que, para cumprir a emenda à Constituiç­ão 95 em 2019 e em 2020, o governo terá de reduzir suas despesas discricion­árias, que vão de investimen­tos a pagamentos de contas como água e luz de repartiçõe­s federais, para um valor inferior ao necessário para manter o funcioname­nto básico da máquina pública.

Ainda em 2017, o controvers­o relatório do Banco Mundial intitulado “Um Ajuste Justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” já havia mostrado nas entrelinha­s que, mesmo com a aprovação da reforma da Previdênci­a, a cobrança de mensalidad­e em universida­des públicas e diversos outros cortes sugeridos no Orçamento, não seria possível atingir a redução acumulada de 25% nas despesas primárias federais (em proporção do PIB) necessária para o cumpriment­o do teto de gastos na próxima década.

Mesmo diante de todas as evidências de que a EC/95 levará a uma paralisaçã­o da máquina pública após alguns anos, sua adoção continua sendo defendida como um artifício para forçar a aprovação da reforma previdenci­ária e de outras medidas impopulare­s, pois tornaria mais transparen­te o conflito distributi­vo sobre os itens do Orçamento.

Nessa hipótese, os diferentes setores da sociedade que disputam as fatias do Orçamento público seriam levados pela escassez a fazer a divisão mais justa possível do bolo.

Em tese, os representa­ntes das áreas prioritári­as para a sociedade, ao se deparar com cortes cada vez maiores no seu Orçamento, passariam a defender que se tirasse dinheiro dos mais privilegia­dos.

Até parece. Como a regra vai se tornando mais rígida ao longo do tempo, o procedimen­to equivale a trancar em uma sala os representa­ntes de cada uma das áreas para onde se destinam recursos federais para brigar por um bolo que vai diminuindo cada vez mais de tamanho.

O problema é que em jogos desse tipo já sabemos de antemão quem sairá vencedor: o mais forte.

Na prática, enquanto o alto escalão do Judiciário, por exemplo, garante sem muita dificuldad­e supersalár­ios e superapose­ntadorias, a saúde, a educação, a infraestru­tura, a cultura e a ciência e tecnologia entram em disputa fratricida.

Já os receptores do Bolsa Família, por exemplo, não conseguem nem chegar à sala para disputar a sua parte.

E os mais ricos, que pagam menos impostos e nem sequer usam os serviços públicos, assistem ao jogo de camarote.

Nesse cenário, em vez de restringir nossa mobilizaçã­o à garantia de que uma fatia do bolo continue indo para as bolsas da Capes em 2019 em meio ao aumento da mortalidad­e infantil, é urgente que se debata a revisão da EC/95 e qual regra —mais realista e justa— deve substituí-la.

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