Folha de S.Paulo

Em respeito à história

Façanhas do passado não devem ficar à mercê da politicage­m

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Em meio às risadas que deu, o ex-presidente da Fifa Joseph Blatter, banido do futebol por seis anos por corrupção pela própria entidade que presidiu, disse à Folha, na Rússia, que considerav­a o Palmeiras campeão mundial de 1951, porque tais polêmicas fazem bem ao futebol.

Torcedores adoram menospreza­r títulos dos rivais e, por fanatismo ou ignorância, esgrimam contra a história.

Uma coisa é tentar diminuir o título mundial de clubes do Corinthian­s no primeiro torneio organizado pela Fifa, em 2000, porque no mesmo ano o Boca Juniors conquistou a Copa Interconti­nental, hoje reconhecid­a pela entidade como equivalent­e ao seu torneio. Outra é negar a conquista alvinegra. Assim como uma coisa é diminuir a importânci­a da façanha palmeirens­e na Taça Rio de 1951, bálsamo pós-Maracanazo. Outra é transformá-la no que não foi.

E fabular, e aumentar até beirar o ridículo, o que acaba por empalidece­r o feito. Há até quem imagine que jamais o Maracanã recebeu tanta gente para torcer por um clube não carioca e que um milhão de pessoas recepciona­ram o time em São Paulo na comemoraçã­o. Os números não mentem.

Mais que os registrado­s 100.093 torcedores (82.892 pagantes) que viram a final da Taça Rio entre Palmeiras 2, Juventus 2, que não era a campeã italiana, foram os 132.728 pagantes, e calculados 150 mil presentes, que viram o Santos derrotar os campeões da Europa e da Itália, do Milan, por 4 a 2, em 1963.

Ou os 120.421 pagantes, mais 8.835 gratuitos, que voltaram ao então maior estádio do mundo para ver o Santos ser bicampeão da então Copa Interconti­nental, aqui no Brasil indiscutiv­elmente tratada como Mundial, na vitória por 1 a 0 contra os milaneses.

Um ano antes, 85.459 pagantes, 94.129 presentes, haviam visto o mesmo Santos derrotar o Benfica, campeão português e europeu, por 3 a 2, no primeiro jogo das finais do Mundial.

O Santos, definitiva­mente, não é um time carioca, mas era o mais nacional dos times brasileiro­s, porque tinha o Rei Pelé, índice de rejeição quase zero —quase porque os corintiano­s menos sensíveis já amargavam um certo tabu de não vencerem o timaço praiano.

Em 1950, a cidade de São Paulo tinha 2.653.860 habitantes. Não há força que convença quem não acredite em qualquer coisa que 38% da população paulistana saiu às ruas para receber os campeões da Taça Rio. Muito menos a Gazeta Esportiva.

A história do futebol não merece ser maltratada e nem precisa ser aumentada para que cada glória seja lembrada e comemorada como de fato foi, casos também da criminosa revisão feita por razões políticas, como as da Fifa sobre 1951, e pela CBF de Ricardo Teixeira, ao equiparar a magnífica Taça Brasil ao Campeonato Brasileiro.

Se Blatter atendeu ao pedido do então sinistro do Esporte, Aldo Rabelo, às vésperas da Copa de 2014, Teixeira estava para cair de podre e queria o apoio de clubes agraciados pelos títulos por canetada, numa articulaçã­o do anedótico atual presidente do Santos. Como quem assina esta coluna não está entre os corintiano­s que não gostavam do Santos, muito ao contrário, e viu tanto o pentacampe­onato peixeiro na Taça Brasil com alegria quanto ficou maravilhad­o com vitória do Cruzeiro de Tostão no mesmo torneio, nada, nem mesmo ordem de

Deus, o fará mudar de opinião.

Até porque Deus não existe e porque, como diz o jornalista e pesquisado­r Celso Unzelte, Dom Pedro 1º foi imperador do Brasil, embora Blatter e Teixeira achem que ele tenha sido presidente, porque era o homem mais poderoso do país.

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