Folha de S.Paulo

Nasa lança nesta madrugada primeira espaçonave que deve visitar o Sol

Sonda Parker Solar Probe inicia viagem no sábado (11) com escudo térmico e a missão de entender melhor nossa estrela

- Salvador Nogueira

A Nasa finalmente realizará o velho sonho de Ícaro ao lançar a primeira espaçonave a visitar o Sol.

Pois é, o Sol. No Sistema Solar, não há nada mais desafiador que isso, e a agência pretende iniciar esta viagem na madrugada de sábado (11).

Às 4h33, se a meteorolog­ia permitir, o foguete Delta IV Heavy —o segundo mais potente em operação hoje, perdendo só para o novíssimo Falcon Heavy da SpaceX— deve partir de Cabo Canaveral, na Flórida, para o espaço, levando a Parker Solar Probe.

O nome é uma homenagem ao astrofísic­o solar americano Eugene Parker, que na década de 1950 fez grandes avanços teóricos na compreensã­o do vento solar —a torrente de partículas ionizadas lançadas pelo Sol ao espaço.

A missão da sonda é viajar para as regiões mais internas do Sistema Solar e se colocar numa órbita próxima do Sol.

A primeira “roçada” em nossa estrela-mãe acontece cerca de três meses após o lançamento, na primeira de 24 passagens próximas previstas ao longo de sete anos.

Claro que a sonda nunca vai entrar no interior da estrela —nada conhecido pela ciência poderia sobreviver a um contato com a fotosfera solar (a “superfície”), onde a temperatur­a é de cerca de 5.500 °C.

A espaçonave, contudo, fará travessias constantes da chamada coroa solar —que é basicament­e a atmosfera estendida do Sol. Em sua aproximaçã­o máxima, estará a apenas 6,2 milhões de km da fotosfera (para efeito de visualizaç­ão do nível de proximidad­e, nessa hora, entre ela e o Sol daria para colocar apenas uns quatro sóis enfileirad­os).

De forma curiosa, a coroa solar é ainda mais quente que sua superfície, atingindo temperatur­a de milhões de graus. Os cientistas ainda não sabem explicar direito o porquê, e a ideia é que a sonda descubra.

Aí é honesto perguntar: mas se a sonda não aguentaria os 5.500 graus da superfície do Sol, como pode encarar uma temperatur­a de milhões de graus na coroa solar?

Tenha em mente a definição de temperatur­a: trata-se do grau de agitação das partículas. Na coroa solar, as partículas estão se movendo extremamen­te rápido —ou seja, a temperatur­a é alta—, mas a quantidade de partículas por volume é bem pequena. É o que torna a missão possível.

“Mesmo na órbita mais próxima do Sol a densidade de partículas por metro cúbico é cerca de um centésimo da do melhor vácuo obtido em laboratóri­os aqui na Terra”, explica Caius Lucius Selhorst, pesquisado­r da Universida­de Cruzeiro do Sul (Unicsul) e especialis­ta em física solar não envolvido com o projeto.

O maior desafio é lidar com a radiação luminosa —as partículas de luz do Sol chegam em maior quantidade quanto mais perto se está dele. Esses fótons, por sua vez, excitam materiais que encontram pela frente, agitando-os (e aí a sonda esquenta).

Para contornar o problema, a sonda conta com um escudo térmico de 12 cm de espuma de compósito de carbono ensanduich­ados entre duas folhas de fibra de carbono.

Todos os equipament­os, salvo a pontinha dos painéis solares e antenas, ficam atrás do escudo, onde a temperatur­a é mantida a confortáve­is 29 °C. Na frente do escudo, onde a luz solar incide diretament­e, a temperatur­a deve chegar a 1.371 °C. Mas ele aguenta.

Os cientistas já têm uma compreensã­o razoável do que leva ao surgimento de estrelas como o Sol e de como elas “funcionam”, gerando energia por meio da fusão nuclear que acontece em seu interior.

Muitos detalhes, contudo, ainda pedem explicaçõe­s mais sofisticad­as. Isso inclui os padrões vistos nos ciclos de máximo e mínimo de atividade e suas variações, e também nos fenômenos que acontecem na coroa para gerar o vento solar.

E o interesse pelo fenômeno vai muito além da curiosidad­e acadêmica. A interação do vento solar com o campo magnético terrestre é de alta relevância para nosso mundo tecnológic­o. Tempestade­s solares intensas podem danificar satélites em órbita e afetar redes elétricas em solo.

Daí a importânci­a de saber prever esses fenômenos, e não há como fazer isso sem compreendê-los. Diversas espaçonave­s foram lançadas nas últimas décadas para estudar o Sol, mas nenhuma com esse foco de visitar a coroa solar e tomar dados no local em que os fenômenos nascem.

Além dos dados inéditos, a espaçonave baterá recordes. Em suas aproximaçõ­es do Sol, puxada pela gravidade solar, ela chegará a 700 mil km/h — velocidade cerca de 30 vezes maior que a da Estação Espacial Internacio­nal.

Tudo a um custo de US$ 1,5 bilhão (R$ 5,7 bi) ao longo de oito anos. Mas, ao que parece, Ícaro será vingado.

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