Folha de S.Paulo

Novos crimes

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Boas intenções e impropried­ades variadas se encontram no pacote de medidas que os senadores aprovaram por ocasião da semana da mulher no Congresso Nacional.

O destaque foi a definição do crime de importunaç­ão sexual. Faz sentido, de fato, trazer ao arcabouço legal um tipo penal intermediá­rio entre o estupro, que só se caracteriz­a mediante o emprego de violência ou grave ameaça, e o conceito ainda vigente de importunaç­ão —uma mera contravenç­ão, punível com multa.

A necessidad­e desse meio-termo ficou clara no episódio, ocorrido no ano passado, em que um jovem ejaculou sobre uma passageira de ônibus em plena avenida Paulista. Ele foi preso, mas acabou libertado por um juiz, dado que seu comportame­nto não chegava a configurar delito (estupro).

Restam dúvidas, entretanto, a respeito da redação que descreve o novo tipo penal: “praticar na presença de alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia ou a de terceiro”.

Como bem observou o advogado René Ariel Dotti, em artigo para esta o enunciado se mostra problemáti­co, pois permite a qualquer um que presencie uma cena de que não goste —um beijo entre homossexua­is, por exemplo— acionar a polícia, que teria de tratar o caso como crime. A previsão é de pena de um a cinco anos de prisão.

No mesmo texto, outro objetivo correto se perde em meio a excessos legislativ­os. Trata-se da criminaliz­ação da chamada vingança pornográfi­ca —na qual, em casos de conflito amoroso, indivíduos divulgam imagens íntimas do parceiro. Tais atitudes, que se disseminam de modo alarmante, merecem, sim, tratamento penal.

Os parlamenta­res, porém, acabaram por inscrever a questão num dispositiv­o muito mais amplo, que pretende proibir a divulgação de todo e qualquer registro audiovisua­l que contenha cena de estupro. A tomar ao pé da letra o que está escrito, até filmes clássicos que tratam do assunto poderiam ser classifica­dos como ilegais.

É inegável que o capítulo dos crimes contra a liberdade sexual da mulher precisa ser aprimorado, mas cumpre fazê-lo com precisão e rigor técnico. O texto recém-encaminhad­o para a sanção presidenci­al carece de ajustes.

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