Folha de S.Paulo

‘Vamo’, adotado por candidatos, é versão moderna da roupa branca da Roma antiga

- Sérgio Rodrigues

Apresentan­do-se vestido de branco sobre branco, Guilherme Boulos investiu, de forma consciente ou não, na pureza etimológic­a da palavra “candidato”.

O termo latino “candidatus” se referia às togas alvas que os postulante­s a cargos públicos envergavam na Roma antiga. Supunhase que isso passasse mensagens como honestidad­e, sinceridad­e, pureza.

O pioneiro dicionaris­ta Rafael Bluteau escreveu no século 18 que era como se os candidatos romanos “quisessem mostrar a candideza do seu ânimo na sua pretensão, dirigida só ao bem público; ou também porque queriam dar a entender que não fundavam nos seus mereciment­os, mas na bondade e virtude dos que haviam de eleger, o sucesso da pretensão”. Isso se não quisessem apenas se destacar da multidão, claro.

Marina Silva era, depois de Boulos, a mais “cândida” no velho sentido romano, ainda que sem o mesmo radicalism­o monocromát­ico. A rigor, Álvaro Dias foi o único que abriu mão inteiramen­te do branco no figurino: a persistênc­ia de certas ideias através dos tempos é impression­ante.

Quem sabe foi por vingança que o branco, agora figurado, andou aparecendo nas falas de Dias sob a forma de elipses, hesitações e descontinu­idades lógicas. Sua inusitada referência à PM Juliane dos Santos, assassinad­a por bandidos, num comentário sobre igualdade salarial entre homens e mulheres soou como um desses lapsos, embora talvez fosse só oportunism­o.

Candidamen­te popular, a pronúncia “vamo” tornouse, a julgar por esse debate, uma espécie de versão linguístic­a da velha roupa branca. Nada contra, mesmo porque seria absurdo censurar os candidatos por aproximare­m seu linguajar —de forma espontânea ou estudada, não importa— do de seus eleitores.

De todo modo, não deixa de ser curioso notar o sumiço unânime desse “S” em assembleia tão eclética quanto a que se reuniu nos estúdios da Band. Onde ele teria ido parar? A resposta não demorou a se revelar: o inacreditá­vel Cabo Daciolo acusou Geraldo Alckmin de ser apoiado por “noveS partidos”. Ah, bom!

O candidato do PSDB não foiexceção­nahoradepe­gar o bonde do “vamo”, mas tem trabalho pela frente se quiser tornar sua linguagem realmente acessível: “spread”, jargão econômico cascudo, não se fez acompanhar de nenhumacol­herdechápa­ra as multidões que ignoram o que significa. A ideia de trazer novos “players” para o jogo talvez seja compreendi­da por mais gente, mas o modismo anglófilo soa elitista mesmo assim.

Ciro Gomes, mais desenvolto que Alckmin na hora de soar como “homem do povo”, também incorreu em pernostici­smos (“colapsado”, “descarteli­zar”), mas renovou sua confiança na capacidade que têm os detalhes —mesmo os fantasioso­s, como sabem os escritores— de conferir um ar de verdade a qualquer afirmação. As “7.507 obras paradas” que denunciou soaram mais concretas do que qualquer número redondo.

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