Após rejeição no Senado, Macri propõe descriminalizar aborto em reforma
Líder argentino sugere incluir tema em revisão do código penal que enviará ao Congresso neste mês
O governo argentino fez nesta quinta-feira (9) um gesto em apoio aos defensores da legalização do aborto, depois que o Senado rejeitou, por 38 votos a 31, uma abstenção e uma ausência, projeto de lei que liberaria a prática até a 14ª semana em votação nesta madrugada.
Como a proposta derrotada no Congresso não pode, pela lei argentina, ser reapresentada antes do início do novo ano parlamentar, em março de 2019, o Executivo anunciou uma iniciativa diferente: irá incluir a descriminalização do aborto no projeto de reforma do Código Penal que enviará ao Congresso neste mês.
Esse artifício, porém, é bastante mais limitado que o projeto de lei, pois apenas derrubaria as penas de prisão para as mulheres que praticarem o aborto de forma clandestina. Hoje, elas são de quatro anos.
Seriam mantidas, porém, as condenações para médicos, responsáveis por clínicas clandestinas ou farmacêuticos que vendam ilegalmente os medicamentos abortivos.
Ou seja, o aborto continuaria sendo ilegal, mas seriam retiradas as punições às mulheres que o praticarem. O recurso continuará sendo legal nos casos em que já é: estupro e risco de morte da mulher.
Em entrevista a jornalistas, horas depois da derrocada da lei, o presidente Mauricio Macri declarou que estava feliz com o “resultado democrático da jornada”. E declarou que “esses debates começaram e vão continuar a ocorrer porque somos mais de 40 milhões e nunca pensaremos todos da mesma forma, é preciso chegar a consensos”.
Macri não descartou que o projeto seja reapresentado ao parlamento no ano que vem.
Também em declarações à imprensa, o chefe de gabinete, Marcos Peña, fez um balanço positivo da sessão no Senado e disse que os argentinos devem aproveitar “tudo o que se aprendeu e se discutiu nesses 180 dias” (incluindo aí não apenas as sessões de votação mas as audiências de esclarecimento por parte de médicos, advogados, juristas).
Peña, que se declara antiaborto, mas que está casado com uma jornalista que é a favor e escreveu artigos defendendo a lei, disse que o tema voltará a ser discutido, e que, enquanto isso, o governo irá trabalhar “para melhorar o acesso das mulheres grávidas à saúde e continuar fortalecendo seus direitos, enquanto avançaremos nas áreas de prevenção e de educação sexual”.
Indagado sobre se o Exe- cutivo considerava que era o caso de chamar um plebiscito ou consulta popular sobre o aborto, disse que “o governo não crê que esse seja o caminho”.
A sessão que determinou a derrota do projeto de lei, que já havia sido aprovado na Câmara de Deputados, terminou às 2h45 (mesma hora em Brasília). Entre os discursos mais importantes esteve o da expresidente Cristina Kirchner.
Durante seu governo (20072015), a atual senadora foi contra que se promovesse um debate parlamentar sobre o aborto. Porém, contou que mudou de ideia, “ao ouvir as vozes das jovens dos movimentos feministas” e de ter se convencido de que “se deve destruir a atual sociedade machista e patriarcal que há na Argentina”.
Acrescentou que fez uma autocrítica e pensou em suas netas, hoje muito pequenas, desejando que, quando elas sejam maiores, o aborto seja lei “e que eu terei votado a favor”.
Entre os que votaram a favor e causaram repercussão esteve o cineasta e senador Fernando “Pino” Solanas, que contou uma história pessoal sua, de uma namorada que tinha abortado. Afirmou que era preciso aprovar a lei para que “os jovens gozem da vida e do amor com liberdade”.
Entre os que votaram contra, o mais polêmico foi o peronista Rodolfo Urtubey, que disse que: “Às vezes o estupro é um ato involuntário que uma pessoa sofre por parte de um abusador com quem tem uma relação de inferioridade, mas não chega a ser violento.”
Ou seja, que se deveria fazer uma diferença entre o aborto feito nas ruas e o intrafamiliar, sugerindo que este era mais leve.
Também contra, o membro da aliança governista Mudemos Esteban Bullrich disse não entender como a maternidade pode ser um problema, e que o Estado deveria barrar a lei e tentar colocar o foco em questões de prevenção e educação sexual.
Na divisão por gênero, 24 senadores votaram contra e 17 a favor da lei do aborto. Entre as senadoras, 14 votaram contra e 14 a favor.
Após a votação, entre 3h e 4h, era possível ouvir em várias regiões da cidade panelaços por parte dos verdes, defensores da lei derrotada, e fogos de artifício, que a animada torcida celeste, contra a lei, começou a soltar assim que o resultado foi divulgado.
Nesta quinta-feira, foi possível observar no metrô e em algumas vias importantes, que as adolescentes militantes da causa verde não desistiram. Elas saíram com seus lenços em torno do pescoço e sorriam umas às outras mesmo sem se conhecer.