David MacCraw Ataques de governos contra a imprensa equivalem a censura
Advogado do New York Times critica inação de redes sociais e diz que leis contra fake news são ineficazes e podem virar munição para políticos
Os ataques de Donald Trump e de outros líderes políticos a jornalistas no mundo minam a credibilidade da imprensa e na prática têm o mesmo efeito que a criação de leis para controlar a mídia, diz David McCraw, advogado e vice-presidente do jornal americano The New York Times.
“Ataques à honra, à magnitude e à honestidade da imprensa são uma tentativa de controlá-la”, diz o advogado, que cobra ainda que redes sociais como o Facebook e o Twitter tomem mais iniciativas para resolver a disseminação de notícias falsas.
O americano virá ao Brasil na próxima semana para debater as fake news em eventos no UniCEUB, em Brasília, na segunda (13), e na FGV, em São Paulo, na quarta (15).
Como a internet e as redes sociais têm influenciado a transparência dos governos?
Tem sido uma faca de dois gumes. Por um lado, permitem ao cidadão saber mais de casos de corrupção e infrações nas comunidades, e que essas informações cheguem a outros. Mas também por causa das fake news e do uso das redes sociais para espalhar discursos de ódio e outros argumentos contrários à democracia, elas têm se tornado um problema. E os governos estão melhores em guardar segredos.
As fake news são uma ameaça à democracia?
Certamente, mas não sei ainda exatamente como elas afetam a democracia. Minha teoria é que desencorajam pessoas a buscarem informações, confundem o público sobre o que é verdade, levando as pessoas a não participarem da sociedade civil. Ou seja, a questão não é tanto se as pessoas acreditam nas notícias falsas, mas que essas notícias criam tanta confusão que desencorajam o público a participar das atividades de uma sociedade democrática.
Como isso afeta o jornalismo?
No sistema dos EUA, cabe ao jornalismo ser uma força contra as fake news. Jornalistas lutam todos os dias contra elas ao se comprometerem a buscar a verdade, a fazer reportagens precisas, a chamar atenção para os problemas reais. Isso encoraja as pessoas a procurarem fontes confiáveis de informação. Também acho que é importante cobrir as fake news como um fenômeno, uma força política.
Alguns países têm criado ou debatido a criação de leis contra fake news. Funciona?
Essas leis serão distorcidas e usadas contra a verdade. Na maioria dos países em que leis foram implementadas, elas foram pensadas para calar os oponentes. Esta é minha maior preocupação, permitir que o governo declare algo como fake news e que, com isso, possa tomar medidas legais. A melhor forma de combater isso é ter cidadãos que questionem, que procurem outras fontes de informação, que chamem a atenção quando virem uma notícia falsa.
E quando governos e partidos usam as redes sociais para manipular a opinião pública?
Obviamente é um problema, mas a solução não será com leis. A resposta virá de jornalistas fazendo reportagens a respeito. E as plataformas terão de fazer algo. Há preocupação com o fato de plataformas como o Facebook e o Twitter terem muito poder, mas acho que eles têm uma obrigação de trabalhar contra o que claramente é uma manipulação do processo democrático, algo que vimos no Brasil, nos EUA. As plataformas devem parar de fingir que não têm papel nisso.
O Facebook tem tirado páginas suspeitas de divulgar mentiras do ar. É o caminho?
Na teoria, é a coisa certa a ser feita. Mas é importante que as plataformas sejam transparentes. Como eles tomaram essas decisões? Como identificaram essas contas falsas? Porque é fácil para eles começarem a silenciar vozes com as quais discordam. Fico preocupado porque as plataformas não têm sido sempre abertas a explicarem como tomaram essas decisões. E precisamos saber para que possamos decidir se estão trabalhando pela sociedade.
As pessoas estão prestando mais atenção a assuntos como liberdade de expressão, leis de imprensa?
Sim, e há duas razões para isso. Uma é que o presidente Donald Trump fez do papel da mídia um dos pontos centrais do debate político nos EUA e no mundo. Segundo, acho que as pessoas estão mais interessadas nesses assuntos porque, de algum modo, todos nos sentimos jornalistas, nos comunicamos, podemos levantar questões importantes. Quando falamos de liberdade de imprensa e de expressão, não estamos falando apenas dos direitos do New York Times ou da [rede de TV] CBS News, mas de cada um de nós como indivíduo.
A imprensa está sob ataque?
Sim, mas não ataque jurídico. Nos EUA não temos um aumento de processos, não vemos mais esforços do governo para ir a um tribunal controlar a imprensa. Não parece que as tentativas de atacar a imprensa serão pela via da Justiça. Mas acho que os ataques à honra, à magnitude e à honestidade da imprensa são tentativas de controlá-la.
O poder da imprensa é a capacidade de afetar a opinião pública. Se os líderes são capazes de fazer o público desacreditar na imprensa, ela perde seu poder. Enfraquecer a imprensa publicamente, com discursos, ataques, tem o mesmo resultado que tentar controlar a imprensa com leis e tribunais.
É isso que tem acontecido nos EUA?
Sim. Quando o presidente e seus apoiadores pedem que o público chame a CNN ou outro grupo de mídia de fake news, é uma tentativa de dizer ‘não acredite neles’. Isso por si só limita o poder da imprensa, e não acho que seja algo bom.