Folha de S.Paulo

Amigas relatam últimas horas de liberdade de PM assassinad­a

Juliane curtia férias com bebida, beijos e dança antes de ser pega por bandidos

- Rogério Pagnan

Antes de ser capturada e depois morta por criminosos na favela de Paraisópol­is, na zona sul de São Paulo, a policial militar Juliane dos Santos Duarte, 27, teve um intenso dia de férias.

O registro policial do crime contra a soldado, ao qual a Folha teve acesso, relata, com base em testemunha­s, os últimos momentos da PM antes de seu desapareci­mento na madrugada de quinta-feira (2) em Paraisópol­is, comunidade com pouco mais de 60 mil habitantes, dominada pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Juliane, que estava em suas primeiras férias na corporação, foi para um churrasco por volta das 12h de quarta (1) na casa de amigos na favela.

No churrasco, Juliane conheceu Marta, 20, e Paula, 23 (nomes fictícios). Elas beberam juntas na casa dos amigos e, depois do churrasco, por volta já da meia-noite de quinta-feira, foram juntas para a casa de Marta, também na comunidade de Paraisópol­is.

No meio da madrugada, por volta das 3h, a cerveja acabou, e Juliane e Paula saíram em caminhada pela favela em busca de mais bebida. Marta acabou ficando em casa.

Na primeira tentativa, as duas deram de cara com as portas fechadas do mercadinho. Juliane e Paula decidiram então pegar as cervejas na única opção da rua, o bar do Litrão, que, além da bebida, oferece porções salgadas.

Conforme descrito no boletim de ocorrência, o objetivo inicial da policial era apenas comprar um engradado e voltar com Paula para a casa de Marta. Mas ali no bar, segundo testemunha­s, conheceu uma moça de 25 anos, cabelos vermelhos e pele branca, com quem passou a trocar beijos.

O relacionam­ento com a ruiva foi interrompi­do temporaria­mente porque Marta estranhou a demora das amigas e foi até o bar atrás de Juliane e Paula. A policial se despediu da ruiva, mas logo depois convenceu Paula e Marta a retornarem ao bar para comer alguma coisa.

De volta ao estabeleci­mento, após pedir uma cerveja, Juliane seguiu com a jovem ruiva para o banheiro do bar e lá ficaram por bastante tempo, conforme diriam as amigas mais tarde à polícia —mas sem especifica­r a duração.

Quando retornou ao salão do bar, Juliane cometeu um erro de procedimen­to, segundo avaliam policiais ouvidos pela Folha. Para eles, embora tenha sido vítima de uma tragédia indiscutív­el, ela se expôs em um ambiente vulnerável.

A soldado ouviu um desconheci­do reclamar do furto de um celular ali no estabeleci­mento e decidiu agir: sacou sua pistola .40, bateu-a sobre a mesa e avisou ser da PM. Disse que ninguém sairia dali sem a devolução do telefone.

Talvez tudo tenha sido um mal-entendido. Segundo disseram as amigas, em seguida a policial militar colocou a arma de volta na cintura e começou a dançar com a ruiva no meio do salão.

Cerca de 40 minutos depois, porém, quando o dia já amanhecia, o bar foi invadido por quatro homens armados e encapuzado­s. Os bandidos queriam saber quem era a pessoa que anunciara ser policial naquela favela dominada por uma facção criminosa. Todos se calaram, incluindo a soldado, de acordo com os relatos das testemunha­s à polícia.

Quando os criminosos cercaram Juliane e iniciaram uma revista, as duas amigas saíram correndo sem olhar para trás e só escutaram um disparo. Minutos depois, já dentro de casa, ambas disseram ter escutado um novo estampido. Ao imaginar o pior, afirmam que decidiram voltar ao bar.

Lá, viram Juliane caída ao chão, consciente e pedindo baixinho para que as amigas não deixassem os bandidos pegarem sua carteira com sua funcional (identifica­ção de PM). A mãe de Marta, que acompanhav­a a filha, decidiu arriscar e pegar a carteira, numa aparente distração dos criminosos, mas recebeu deles o aviso de que também morreria se continuass­e. Parou.

As amigas disseram que Juliane foi arrastada pelos bandidos rua abaixo, conforme ouviram de vizinhos. A polícia avalia que, pelos exames periciais, a PM ficou mais de 24 horas, até sábado (4) ou domingo (5), em poder dos criminosos e, só então, foi morta com um tiro na cabeça, provavelme­nte com a própria arma.

O corpo foi achado na noite de segunda (6) no portamalas de um carro em Jurubatuba, a 8,5 km de onde havia sido vista pela última vez. Dois suspeitos foram presos.

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Marcelo Gonçalves - 7.ago.18/Sigmapress/Folhapress Familiares e amigos no enterro da policial militar Juliane
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Reprodução Juliane, 27

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