Yamandú Costa e Ricardo Herz não abusam do virtuosismo em álbum
Um dos melhores do ano, disco não tem outros instrumentos além de violino e violão de sete cordas
MÚSICA Yamandú ***** Costa e Ricardo Herz Selo Bagual. R$ 19,90 (para download) Sidney Molina
Para tocar com violão, o violino tem que recusar parte de sua característica mais essencial —o som contínuo, “legato”; já para interagir com violino, o violão tem que cantar, vibrar notas longas, diversificar articulações e dinâmicas muito mais do que em geral faz.
Esses desafios percorrem todas as faixas do primeiro CD lançado pelo violonista Yamandú Costa em duo com o violinista Ricardo Herz. Já é possível considerá-lo um dos melhores lançamentos do ano na música instrumental.
Yamandúé um gaúcho-regional que persegue incansavelmente a trilhada univ ersa lida de;Herz, um universal paulista que conquistou a segurança funda dorados idiomas regionais.
Três composições são assinadas por Herz e seis por Yamandú, além de duas parcerias. Não há músicos convidados ou outros instrumentos além de violino e violão de sete cordas. Na textura mais comum —em que cabe ao violão a função do acompanhador— Yamandú está no seu meio: segue cada intenção fraseológica do violino, deixa Herz à vontade para criar.
Mas eles também trocam de função, como em momentos do chamamé gaúcho “Chamaoquê” (que é de Herz).
Há também frases espetadas juntíssimas em “Mourinho” (Herz) —inspirada pelo “Mourão” de Guerra-Peixe (1914-93)—, na qual também sobressai a qualidade penetrante das linhas de baixo que Yamandú constrói.
Melodias inspiradas perpassam o CD: “Inocente” (Herz), poderia fazer bonito num disco antigo de Moraes Moreira; “Remanso” (dos dois) sai de uma canção argentina e conserva seu lirismo; e Ennio Morricone provavelmente aplaudiria “Reencontro”.
“Meiga” e “Mimosa” (de Yamandú) e “Matutinho” (dos dois) trazem uma ampla gama de elementos do violão brasileiro, de Laurindo Almeida (1917-95) a Paulo Bellinati; de Baden Powell (1937-2000) a Marco Pereira.
Destrinchar as teias de influências mostra a riqueza labiríntica das sonoridades do álbum, mas não deve jamais obscurecer a sua originalidade. Neste CD, Yamandú e Herz —reconhecidos virtuoses— não abusam de escalas rápidas e andamentos sobre-humanos. Há refinamento de timbre e expressão, com o que o álbum ganha tons camerísticos. É sinal que o duo nasce em um momento especial de maturidade artística.
Isso se reflete na estrutura das composições: temas como “Xote da Galinha” e, principalmente, “Milonga Choro”, de Yamandú, com sua economia formal e senso de desenvolvimento, certificam o compositor para além do carisma já consolidado do intérprete. Radamés Gnattali: Integral das Obras para Piano, Violino e Violoncelo **** * Artista: Trio Puelli. Selo Sesc, disponível de graça no canal do Selo Sesc no YouTube
Camila Fresca
O nome talvez não seja desconhecido, mas dificilmente a música do gaúcho Radamés Gnattali (1906-1988) é familiar aos ouvidos. Ele iniciou a carreira como músico erudito, mas ganhou fama e reconhecimento como arranjador e regente da época dourada do rádio e das grandes gravadoras —sua entrada para a Rádio Nacional, em 1936, é considerada um marco na história da música popular, pelas inovações que introduziu nos arranjos.
A formação musical sólida permitia que atuasse tam- bém como pianista (seu sonho era ser concertista) e violista, além de compor.
Radamés teve uma trajetória particular, transitando entre mundos que não costumavam se misturar —o erudito e o popular. Se essa liberdade hoje pode ser vista com bons olhos, durante muito tempo acabou por prejudicar acarre irado músico, que teve a obra pouco valorizada.
Sua atuação pode ser comparada, em certa medida, à de Guerra-Peixe (1914-1993), igualmente compositor erudito e arranjador popular. Guerra, no entanto, conseguiu firmar seu nome na música de concerto. Muito, portanto, ainda há para ser conhecido da vasta obra de Radamés, que inclui concertos para violão dedicados a Garoto e Dilermando Reis ou de violoncelo para Iberê Gomes Grosso, bem como a série de Brasilianas ou as sinfonias.
Um pouco dessa lacuna é preenchida com o álbum do Trio Puelli (Karin Fernandes, Ana de Oliveira e Adriana Holtz). O grupo, formado em 2009, é especializado no repertório dos séculos 20 e 21, especialmente a música brasileira. Lançado pelo Selo Sesc,o disco regist rapela primeira vezoTr ion .2 e Lenda n.2, além de trazer os trios n.1 e 3 e o Trio miniatura.
A audição conjunta permite algumas constatações. Aprimeiraéa de que Radamés tinha grande intimidade tanto com os instrumentos de arco quanto com o piano, resultando em obras que, além de bem escritas, fluem com facilidade. E, embora abarquem cinco décadas de sua produção, os trios n.1 (1933), 2 (1967) e 3 (1984) têm em comum uma clara orientação nacionalista.
No caso de Radamés, é provável que isso se desse não só pela influência do projeto modernista de Mário de Andrade, mas também por sua intimidade coma música popular urbana, sendo ele orquestrador de alguns clássicos da música brasileira, como Aquarela do Brasil (1939).
Além de importante pelo que significa na discografia brasileira e no resgate da obra deRa da mésGnat tali, agravação ainda tem méritos pela qualidade da interpretação do Trio Puelli.