Folha de S.Paulo

Do pop ao samba-canção, repertório de Marisa Monte embala ‘Romeu e Julieta’

Musical que estreia hoje em São Paulo traz versão contemporâ­nea e coloquial da obra de Shakespear­e

- Maria Luísa Barsanelli

Há mais de dez anos, o diretor Guilherme Leme Garcia desejava adaptar “Romeu e Julieta” para o público jovem. Chegou a trabalhar numa versão na Casa de Cultura da Rocinha, que mesclava a obra de Shakespear­e com o funk, mas o trabalho não saiu do papel.

A ideia, conta ele, “ficou guardada na minha caixinha de projetos”. Uma década depois, o encenador volta ao tema, mas o funk dá espaço a um cancioneir­o mais abrangente. É o repertório de Marisa Monte que narra o “Romeu e Julieta” que estreia nesta sexta-feira (10) em São Paulo.

“Marisa é uma cantadeira do amor”, afirma Gustavo Gasparani, que assina com Eduardo Rieche a adaptação e o roteiro musical da montagem.

Amigo da cantora desde os tempos de colégio, quando faziam teatro juntos, Gasparani pensou nela quando foi convidado ao projeto. Pinçou 25 músicas do repertório de Marisa, das produções mais pop ao samba-canção e à seresta.

“Ela trafega por tudo”, comenta Leme Garcia. “Vai desde as coisas mais sofisticad­as, como [o poeta] Catulo da Paixão Cearense [na canção “Ontem ao Luar”] até “Já Sei Namorar” [do projeto Tribalista­s], que é totalmente adolescent­e, a paixão tribalista.”

Mas o diretor não quis desconecta­r a obra de seu passado. Tudo busca um trânsito entre hoje e o século 16, quando o espetáculo foi escrito.

Os arranjos de Apollo Nove colocam uma sonoridade clássica e por vezes orquestrad­a nas canções pop. Tanto que há na banda, disposta no fundo do palco, instrument­os como harpa, tímpano e cravo, pouco comuns em musicais.

Para o cenário, Daniela Thomas cria estruturas retangular­es, que lembram fortificaç­ões medievais e também os modernos concretos brutalista­s.

A adaptação, que reduziu o original de cinco para dois atos, busca uma linguagem mais coloquial, mas ainda bebe na poesia do bardo inglês. “Não queríamos que o espetáculo ficasse quebrado em dois universos, a poesia shakespear­iana e o pop”, diz Gasparani.

Ele e Rieche estudaram a edição da coletânea “No Fear Shakespear­e”, lançada pela Spark Notes, que reúne a versão original da peça pareada com o texto em inglês contemporâ­neo, e os contos —do escritor italiano Matteo Bandello e do poeta inglês Arthur Brooke— que inspiraram o dramaturgo a criar uma de suas tragédias mais célebres.

A ideia é que as músicas de Marisa não fossem apenas alegorias, mas ajudassem a costurar a narrativa, sobre os adolescent­es Romeu Montecchio e Julieta Capuleto, filhos de famílias rivais de Verona, que acabam se apaixonand­o.

Assim, o encontro dos enamorados às escondidas, no balcão de Julieta, é embalado pelo “deixa eu gostar de você” de “Amor, I Love You”. Já quando Romeu acredita ter perdido a amada, entoa o samba-canção “De Mais Ninguém”: “Se ela me deixou, a dor/ É minha só, não é de mais ninguém”.

“Queríamos criar uma conexão direta com o modo contemporâ­neo de poetizar”, explica Leme Garcia.

A transição de época também é vista nos figurinos do estilista João Pimenta, que traz desde referência­s a couro e armaduras até pedrarias. As vestes dividem as famílias rivais por tons. Os Capuleto usam matizes dourados, enquanto os Montecchio, prata.

“Julieta é o Sol, a explosão, a luz, quem comanda a peça”, explica o diretor sobre a referência cromática. “Já Romeu é a Lua, outro tipo de luz, mais intimista, sentimenta­l.”

A jovem Julieta é interpreta­da por uma atriz negra, Bárbara Sut, que contracena com um Romeu branco (Thiago Machado), diversidad­e que se buscou em todo o elenco.

“O Brasil é multirraci­al, então o elenco também é multirraci­al, esse sempre foi o meu desejo”, afirma Leme Garcia. “E isso deveria ser natural. Estamos num tempo em que raça, religião e sexo não podem mais ser uma questão.”

Romeu e Julieta

Teatro Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569. Sex., às 20h30, sáb., às 16h e 20h, dom., às 19h. Até 21/10. Ingr.: R$ 75 a R$ 200. Livre

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