Zé Henrique de Paula rompe naturalismo e tira o melhor de Miller
Diretor assina montagem de ‘Um Panorama Visto da Ponte’, drama realista do dramaturgo americano
TEATRO Um Panorama Visto da Ponte **** * Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285. Sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 25/11. Ingr.: R$ 80 (em ingressorapido.com.br). 14 anos
O que envolve aos poucos o espectador neste “Um Panorama Visto da Ponte” é a engenhosidade da trama e a robustez dos conflitos e temas levantados na montagem de Zé Henrique de Paula para a peça do americano Arthur Miller (1915-2005).
Desde “Urinal”, que foi a comprovação de sua habilidade como encenador, Paula se tornou um favorito de atoresprodutores para a direção de peças estrangeiras de qualidade —como há pouco no também denso “O Pacto”, musical de câmara que faz curta temporada em São Paulo.
No caso de “Um Panorama Visto da Ponte”, o domínio da chamada carpintaria —a escritura teatral— por Miller é explorado intensamente.
O texto expõe a degradação das relações pessoais no ambiente de desemprego e miséria, como nas peças de Tennessee Williams ou nos filmes de Elia Kazan, também nos Estados Unidos do pós-guerra.
É sobre a vida no entorno das docas do Brooklyn, como vista por quem olha da ponte de mesmo nome, à distância, para o bairro então miserável de Red Hook —agora em estado avançado de gentrificação, com restaurantes, lojas e turistas apagando os miseráveis de Miller. O lugar onde tudo se passa poderia ser descrito como um cortiço ou até um barraco de favela.
Miller segura o mais que pode os confrontos físicos e as tensões sexuais, que parecem estar sempre em preparação, perto de acontecer, confundindo seguidamente o público. Paula faz o mesmo, segue as indicações e prepara diligentemente as armadilhas para o espectador.
Dito isso, algumas questões levantadas podem soar datadas, de um naturalismo próprio dos anos 1950, que se batia contra uma moralidade hoje esgarçada. Mas mesmo quando isso acontece o texto qualificado garante o interesse, no mínimo, pelo embate de desejos, de interesses.
Uma outra qualidade de Paula, como já se viu antes, mas mais pronunciada agora, está na interpretação que adota, reforçando a quebra do naturalismo, com um acento nos gestos moldados, artificiais, para se contrapor às afetações realistas de Miller.
Os atores escapam assim dos clichês de Marlon Brando e semelhantes, embora para alguns deles em “Panorama”, mais inexperientes, o formalismo da atuação se torne por vezes pesado.
O cenário com contêineres não é especialmente imaginativo, embora reflita a brutalidade, sobretudo de Eddie, o protagonista. O mesmo se pode dizer dos figurinos, com a onipresente camiseta regata, nos Estados Unidos chamada comumente —e ofensivamente— de “wife beater”, agressor de esposa.
O melhor está mesmo nas atuações e no texto. E o impacto emocional maior, inevitavelmente, é com Sérgio Mamberti, que faz o advogado que narra a tragédia anunciada, tenta intervir para evitá-la e se comove por fim com ela, prostrado, impotente.
Rodrigo Lombardi mostra firmeza com o vaivém de seu contraditório, vulnerável e por fim desesperado Eddie.